domingo, 23 de outubro de 2011

Monografia: RESGATE DA HISTÓRIA DOS ASSENTAMENTOS IRENO ALVES DOS SANTOS E MARCOS FREIRE EM RIO BONITO DO IGUAÇU- PARANÁ

INES FILOMENA GALERA


































RESGATE DA HISTÓRIA DOS ASSENTAMENTOS IRENO ALVES DOS SANTOS E MARCOS FREIRE EM RIO BONITO DO IGUAÇU- PARANÁ























CURITIBA – PARANÁ

2007

INES FILOMENA GALERA































RESGATE DA HISTÓRIA DOS ASSENTAMENTOS IRENO ALVES DOS SANTOS E MARCOS FREIRE EM RIO BONITO DO IGUAÇU- PARANÁ



Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de especialista no Curso de Especialização em Educação do Campo, modalidade presencial, da UFPR – Universidade Federal do Paraná.

Profª.Orientadora: Natacha Eugenia Janata















CURITIBA - PARANÁ

2007





















A DEUS, que me dá força para vencer todos os desafios que a vida me impõe.

A NATACHA, minha orientadora, que é uma educadora que faz a diferença, destacando-se por sua ética profissional e por sua competência.

À FERNANDA, minha maior guerreira, que gerei com muito amor, e luta ao meu lado, me fortalecendo.

Ao GUILHERME, tesouro de minha vida, que enfrenta barreiras junto a mim e me dá forças para vencer.

Ao ORLANDO, meu pequeno príncipe, que sempre quer ficar junto a mim e me encoraja a prosseguir.

A LORI, que sempre está ao meu lado, me auxiliando do e me apoiando e mostrando o valor de uma verdadeira mãe.

A GESSIR e GENIR, meus irmãos, a quem sempre procuro nos momentos que preciso e nunca volto sem uma resposta.

A JOSÉ ADELIR, meu pastor, que sempre tem me apoiado, orado e lutado por mim.

As pessoas que colaboraram com dados e informações: ENIO, DALÍRIA, DANILO, SÉRGIO e VERÔNICA

A todos meus colegas de trabalho da Secretaria Municipal de Educação de Rio Bonito do Iguaçu.

A todos os TRABALHADORES que ajudaram a construir e reconstruir a história de Rio Bonito do Iguaçu.



iii

AGRADECIMENTOS





Aos pais, educandas e educandos, educadoras e educadores, coordenadoras pedagógicas, diretoras e diretores, que partilharam comigo suas histórias, seus sentimentos, desejos, necessidades e expectativas de uma sociedade e uma escola mais humanizada e solidária.

A meus colegas de turma, que sempre mostraram ânimo e ofereceram encorajamento nas horas difíceis.

As educadoras e educadores que estiveram conosco, compartilhando seus conhecimentos e contribuindo para o aprendizado de toda a turma, em busca de uma verdadeira educação do campo.

A todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste trabalho.

































iv























Dos campos, das cidades, das frentes dos palácios, os Sem Terra, este povo de beira de quase tudo, retiram suas lições de semente e história. Assim exprimimos nessa espécie de geografia perdida que sobre entre as estradas, que é por onde passam os que têm aonde ir, e as cercas, que é onde estão os que têm onde estar, os Sem-Terra sabem o que fazer: plantam. E plantam porque sabem que terão apenas o almoço que puderem colher, como sabem que terão apenas o país que puderem conquistar.

(Paulo Rufino, O canto da terra, 1991).

















v

RESUMO



Esse estudo focaliza a questão referente a trajetória de luta que trabalhadores Sem Terra enfrentaram em Rio Bonito do Iguaçu, desde 1996, destacando como aconteceu esta luta até chegarem a seu objetivo: a formação dos assentamentos Ireno Alves dos Santos e Marcos Freire. Para explanar sobre o tema pesquisou-se inicialmente sobre o Movimento que uniu este grande número de famílias hoje assentadas, que é o Movimento Sem Terra: como surgiu, sua organização, seus símbolos e seus objetivos. Após investigou-se como se originou o acampamento na BR 158, desde a organização das famílias onde residiam, a partir de cadastros e chamadas através dos sindicatos, até a vinda para os acampamentos, que se localizaram em pontos estratégicos, tendo sua trajetória na BR entre Rio Bonito do Iguaçu, no local chamado Buraco, às margens da BR, próximo ao Rio Xagu, no Portão da Fazenda Giacomet Marodim, na Sede da Fazenda e após a ida para os lotes de terra, formando o Assentamento Ireno Alves dos Santos e um ano após o Assentamento Marcos Freire. Ficou na memória dos trabalhadores que enfrentaram todo esse processo, deixando claro que a união coletiva em busca do ideal faz a diferença. Foram muitas lutas, muitas dificuldades e necessidades de alimentação, saúde e saneamento básico que as famílias enfrentaram até conseguir realizar o sonho, o acesso a terra. Destacou-se a importância da coletividade e todas as conquistas que se teve com essa união, organizada pelo Movimento Sem Terra, demonstrando seu compromisso social.



Palavras chave: Movimento Sem Terra, acampamento, assentamento.















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SUMÁRIO



RESUMO .............................................................................................................. Vi

SUMÁRIO ............................................................................................................. Vii

LISTA DE FIGURAS ............................................................................................ viii

LISTA DE TABELAS ............................................................................................ Ix

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 10

2 O MST E A LUTA PELA TERRA....................................................................... 17

2.1 A Luta pela Terra no Território Nacional..................................................... 20

2.2 A Luta pela Terra No Campo Paranaense................................................... 27

3 O ACAMPAMENTO DE RIO BONITO DO IGUAÇU EM 1996 ......................... 32

3.1 A Organização Interna dos acampamentos ............................................... 36

3.2 Revendo a Trajetória dos Sem Terra de Rio Bonito do Iguaçu ................ 39

3.3 A Educação ................................................................................................... 45

3.4 Fatos, sonhos e conquistas dos Sem Terra de Rio Bonito do Iguaçu .... 53

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 62

REFERÊNCIAS..................................................................................................... 64

ANEXOS................................................................................................................ 65

























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LISTA DE FIGURAS



Figura 1 – Foto aérea do Município de Rio Bonito do Iguaçu no ano de 2005 10

Figura 2 – Mapa de localização do Município de Rio Bonito do Iguaçu.......... 11

Figura 3 – Marcha a Brasília pelos Integrantes do MST em 1997................... 18

Figura 4 - Bandeira do MST............................................................................. 19

Figura 5 - Crianças em um acampamento sem-terra às margens da rodovia PR-158. Paraná, 1996.....................................................................................

25

Figura 6 - Menina sem terra à margem da Rodovia 158................................. 35

Figura 7 – Ocupação no “Buraco”.................................................................... 40

Figura 8 – Aglomerado de barracos no Buraco .............................................. 41

Figura 9 – Ocupação no “Portão”..................................................................... 42

Figura 10 - Ocupação na Fazenda Giacomet Marodim................................... 44

Figura 11 - Primeira Escola - Sede da Fazenda Giacomet Marodim.............. 47

Figura 12 - Primeiro colégio Estadual - Vila Velha (Iraci S. Strozake)............ 48

Figura 13 - Escola adaptada para alunos de primeira a quarta série no Acampamento da APRA.................................................................................. 49

Figura 14 – Esc.Mun. que oferecem Ed.Infantil, Ens.Fund.até a 4ª série, Ensino Especial e Educação de Jovens e Adultos.......................................... 50

Figura 15 - Esc.Est. que oferecem Ens. Fund. de 5ª a 8ª série e Ens. Médio. 51

Figura 16 - Mística apresentada na Festa dos 11 anos de Conquistas.......... 52

Figura 17 - Mapa dos Assentamentos Ireno A. Santos e Marcos Freire........ 59

Figura 18 - Compromissos assumidos no 4º Congresso do MST em 2000... 60

Figura 19 - 5º Congresso do MST -2007 – Participação dos Assentamentos de Rio Bonito do Iguaçu ..................................................................................

61

viii

LISTA DE TABELAS



Tabela 1 - Ocupações de terra no Brasil - 1987-2001.................................... 22

Tabela 2 - Famílias assentadas pelo governo federal - 1985-2001 ............... 23

Tabela 3 - Número de acampamentos do MST nos estados e famílias ligadas ao movimento no país.........................................................................

23









































ix

1 INTRODUÇÃO



Queremos que abrace a terra

Por ela quem sente paixão,

Quem põe com carinho a semente

Para alimentar a nação.

A ordem é ninguém passar fome.

Progresso é o povo feliz.

A reforma agrária é a volta

Do agricultor à raiz.

(Zé Pinto).



Escolhi pesquisar a história do surgimento dos Assentamentos Ireno Alves dos Santos e Marcos Freire, do Município de Rio Bonito do Iguaçu (Figura1), por diversos motivos: conhecer a história do Movimento Sem Terra; toda minha história de vida foi oriunda do campo, onde nasci e dele tive meu sustento para me manter, estudar e me formar como professora e pedagoga; por conviver indiretamente com esse processo, pois atuava na Secretaria Municipal de Educação de Rio Bonito do Iguaçu como Coordenadora Pedagógica e também trabalhava como professora na época do acampamento; para resgatar essa história de luta pela terra que aconteceu em Rio Bonito do Iguaçu e por serem poucos os registros que se tem sobre o campo, a maioria das pesquisas são baseadas em estudos da cidade.



Figura 1 – Foto aérea do Município de Rio Bonito do Iguaçu no ano de 2005

Fonte: Prefeitura Municipal

O Município de Rio Bonito do Iguaçu emancipou-se em 19 de março de 1992, situa-se na Região Centro Oeste do Estado do Paraná (Figura 1), com 746 km2, tem um número aproximado de 16 mil habitantes, sendo a maior parte assentados e assentadas, conforme Censo do IBGE de 2007.

Teve muitas transformações significativas a partir de 1996, com a chegada das famílias integrantes do Movimento Sem Terra, que aqui permaneceram acampadas, passando por muitas dificuldades até conseguirem formar dois grandes assentamentos: Ireno Alves dos Santos e Marcos Freire. A economia é baseada principalmente na agricultura e na pecuária, sendo a maioria pequenos agricultores, que sustentam suas famílias com o cultivo da terra

É considerado um Município pequeno, conforme consta nas Figuras 1, que se trata da foto aérea do município e na figura 2, que se refere a localização do Município de Rio Bonito do Iguaçu (no ponto em vermelho) dentro do Mapa do Estado do Paraná, que está desenhado em traços mais escuros.

Figura 2 – Mapa de localização do Município de Rio Bonito do Iguaçu.

Fonte:http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Parana_Municip_RioBonitodoIguacu.svg.

A partir de 1981 a Comissão Pastoral da Terra - CPT1 promoveu debates e encontros entre as diversas lideranças pela luta pela terra no país. Então o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST foi surgindo em vários estados ao mesmo tempo, tornando-se um movimento coeso em torno de seus propósitos, a partir de diversos eventos que reuniram suas lideranças e conquistaram apoios. Ele nasceu em um processo de enfrentamento e resistência contra a política de desenvolvimento agropecuário, implantada durante o regime militar.

A situação de opressão e exploração a que cada vez mais foram submetidos os lavradores e os sem-terra em suas lutas de defesa fizeram com que começasse a agir contra o projeto da burguesia latifundiária, que queria se apropriar de toda a terra e em vez de só se defenderem, começava uma luta pela reconquista, unindo-se e buscando solução. (STEDILE; FERNANDES, 1999).

Conforme pesquisa encomendada, em março/97, pela Confederação Nacional da Indústria, constatou que 85% dos pesquisados apoiavam as ocupações de terra, desde que sem violência e mortes; 94% consideravam justa a luta do MST pela reforma agrária; e 77% encaravam o MST como um movimento legítimo. O dado mais expressivo representou um desafio para o governo Cardoso: 88% disseram que o poder público deveria confiscar as terras improdutivas e distribuí-las aos sem terra.,(BETTO, 2002).

Betto (2002) diz que se não fosse o MST, milhões de sem-terra estariam agora favelizados, engrossando o contingente de excluídos e marginais, aumentando a violência nas cidades e agravando os índices de desemprego, que hoje afeta a vida de 7% dos 60 milhões de trabalhadores brasileiros. O Brasil só conheceu, em 500 anos de história, desde a colonização portuguesa, apenas uma reforma agrária, a que retalhou o país em Capitanias Hereditárias, implantando o modelo do latifúndio. No século 19, aos negros libertos da escravidão foi negado o acesso à terra e, ainda hoje, eles são duplamente discriminados, por serem negros e por serem pobres. Vale dizer que o Brasil é a segunda maior nação negra do mundo, depois na Nigéria, pois abriga uma população negra superior a 50 milhões.

Ressalta ainda Betto (2002) que o Brasil tem solução. Se a terra for repartida, as favelas serão reduzidas. Se houver mais escolas, não será preciso construir mais cadeias. Se os agricultores tiverem justo acesso a insumos e implementos agrícolas, não ficarão em mãos de atravessadores que pagam valores irrisórios a quem planta e cobram preços abusivos de quem consome. Se houver canais diretos entre produtores e consumidores, a produção deixará de ficar a mercê da ganância dos supermercados e de grandes atacadistas. A desapropriação é o principal recurso a ser utilizado na redistribuição das terras agrícolas. Conforme Betto (2002), em princípio, deveriam ser desapropriadas propriedades improdutivas com área superior a 500 hectares, situadas nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste; no Centro-Oeste, propriedades improdutivas com área superior a 1.000 hectares; e na região Norte, propriedades improdutivas com área superior a 1.500 hectares.

O artigo 51 da Constituição brasileira de 1988 estabelece que devem ser revistas as doações, vendas e concessões de terras públicas realizadas entre 1º de fevereiro de 1962 e 31 de dezembro de 1987. Naquele período, o Senado Federal aprovou 51 resoluções, que transferiram mais de 10 milhões de hectares para apenas 45 empresas em 12 Estados. Essa área permitiria o assentamento de mais de 300.000 famílias! Tudo isso deve ser rigorosamente investigado, como determina a Constituição, visando dispor de terras para os assentamentos. Também devem ser apontadas as terras públicas federais nas regiões de fronteira do Brasil, recuperando para a reforma agrária as terras griladas. (BETTO, 2002).

A reforma agrária é uma das alternativas do desenvolvimento dos agricultores para o Brasil. E não depende só da luta dos agricultores. Depende de todos os brasileiros. É uma luta de todo o nosso povo - pessoas, classes sociais, empresas, movimentos populares e sindicais, Igrejas e religiões, funcionários públicos e partidos políticos. Fernandes (1998, p.48) afirma:



No Brasil, a questão agrária sempre foi um problema constante e repetitivo. A promessa da realização da reforma agrária pelo Estado é repetida a cada governo. O prolongamento dessa questão constitui-se no emperramento da modernização da agropecuária, determinado por diferentes formas do histórico controle político ajustado pelo Estado e pelos latifundiários. É uma questão estrutural e o arranjo desse enorme problema nacional mantém-se firme, quase inabalável, pelo seu vigor astucioso e fundamentado.



No início de 1996 havia no Brasil aproximadamente 22 mil famílias acampadas. Durante o ano foram realizadas mais 176 ocupações, que mobilizaram 45.218 famílias sem 21 estados. Foi um recorde na história do MST. A média era de 50 ocupações anuais com cerca de 16 mil famílias. (FERNANDES, 2000).

Nos dados acima estão incluídas as famílias que acamparam-se em Rio Bonito do Iguaçu. Foram cerda de 3048 famílias que faziam parte do MST que acamparam-se em 1996 na BR 158, conforme dados extra-oficiais fornecidos pelos entrevistados, não pensando nas dificuldades que enfrentariam, mas com metas precisas e muita coragem, vieram a formar os assentamentos Marcos Freire e Ireno Alves em Rio Bonito do Iguaçu. Começou então uma nova etapa na história de Rio Bonito do Iguaçu, um pequeno Município, que anoitece com cerca de 6.000 e amanhece com aproximadamente 10.000 habitantes.

Sabendo que as famílias que fizeram sua história e estão assentadas nos dois assentamentos citados, faziam parte do Movimento Sem Terra –MST, buscou-se realizar um resgate da trajetória desse Movimento.

Presenciamos em todo o país, através de notícias que nos chegam todos os dias, o aprofundamento das desigualdades sociais causadas pelo fortalecimento de um projeto hegemônico de sociedade conduzido pela elite dirigente, com conflitos e contradições. A existência de trabalhadores rurais sem terra é resultado de um processo secular de concentração de renda e injustiça social e a não realização da reforma agrária representa a manutenção de um poder, de um capitalismo arcaico no campo.

O grande problema no Brasil não é o de fazer uma reforma agrária redistributivista para resolver problemas econômicos, a qual, embora importante, é uma questão secundária. A questão fundamental colocada por Martins (1993) é a de que é necessário mexer no direito de propriedade para mexer na existência das oligarquias, pois a terra é a fonte de poder econômico e do poder político que elas têm ainda hoje.

Investiguei de que forma as milhares de pessoas se organizaram desde o acampamento na BR 158 até a criação dos assentamentos Ireno Alves dos Santos e Marcos Freire (sendo o principal objetivo dos trabalhadores que se acamparam em 1996 conquistar a terra para ali trabalhar e tirar seu sustento), como aconteceu todo esse processo, quais as principais dificuldades, lutas, desafios, massacres que sofreram e como se deu a trajetória da luta pela terra no Acampamento em Rio Bonito do Iguaçu.

Nesta pesquisa monográfica foram fundamentadas metodologias que proporcionaram ao assunto maior clareza e compreensão dos fatos registrados. A pesquisa qualitativa, detectando a presença ou não de algum fenômeno, sem se importar com sua magnitude ou intensidade e contrapõe-se. Nela os métodos qualitativos e quantitativos não são excludentes, embora difiram quanto à forma e à ênfase. (NEVES, 1996).

As técnicas utilizadas nas pesquisas qualitativas foram a observação de imagens fotográficas, entrevista individual com cinco pessoas que participaram de todo processo de acampamento e ainda hoje residem nos Assentamentos Ireno Alves dos Santos e Marcos Freire, minha experiência pessoal vivenciada durante todo o processo e consulta a jornais da época.

Coletei e observei diversas fotografias da época coletadas em escolas, na secretaria de educação municipal e com outras pessoas e também imagens fotográficas já publicadas por Sebastião Salgado, que serviram para comprovar os fatos descritos pelos entrevistados.

As entrevistas semi-estruturadas, que partiram de questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, foram gravadas e transcritas. Todos os entrevistados autorizaram a divulgação dos relatos e seus nomes pessoais, dizendo não ter nada a ocultar. Desta maneira os informantes, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal participaram na elaboração do conteúdo da pesquisa.

Expus também minha experiência pessoal da época do acampamento de 1996 em que eu atuava na Coordenação Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação e atuava como Professora Municipal numa turma de terceira série na Escola Municipal Rio Bonito do Iguaçu, trabalhando diretamente com crianças acampadas junto com as demais crianças que já estavam estudando na minha sala de aula.

Utilizei também o Materialismo histórico e dialético, com relações e contradições intrinsecamente ligadas ao contexto, elaborando uma nova concepção filosófica do mundo ao fazerem a crítica da sociedade apresentando propostas para sua transformação.

Foram utilizadas como fonte documental reportagens de jornal da época em que se instalou o acampamento na BR 158, no ano de 1996, que explicitam a situação que viveram as mais de três mil famílias ali instaladas.

Estas abordagens metodológicas permitiram se aproximar do objeto de estudo, demonstrando com maior clareza a situação pela qual passaram as famílias acampadas, suas lutas, desafios e dificuldades em busca da terra para plantar e dela tirar o sustendo para si e suas famílias.

Sendo assim, a monografia está dividida em três capítulos, conforme o que segue:

Nesse primeiro capítulo procurei fazer considerações iniciais referente aos motivos que me levaram a pesquisar este tema, demonstrei alguns dados significativos sobre o município de Rio Bonito do Iguaçu, onde aconteceu toda essa história, a ligação do Movimento Sem Terra com os fatos acontecidos, os objetivos da pesquisa e as principais abordagens metodológicas utilizadas.

No segundo capítulo explicitei fatos referentes a trajetória de luta do Movimento Sem Terra e sua ação e organização pela conquista da terra, como ocorre a organização, a união em prol dos objetivos, como surgiram os principais símbolos que são a Bandeira e o Hino, contando fatos desse movimento no território nacional e estadual, exemplificando como o MST se tornou o maior movimento do país.

Enfim, no último capítulo explano o motivo principal desta pesquisa, que são detalhes da história do surgimento do acampamento do Movimento Sem Terra em Rio Bonito do Iguaçu, iniciando-se no ano de 1996, como ocorreu sua trajetória e os fatos principais que aconteceram até a conquista dos assentamentos Ireno Alves dos Santos e Marcos Freire.











2 O MST E A LUTA PELA TERRA



O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) começou a se constituir no final dos anos 70 e início dos anos 80, num contexto histórico marcado pelo início da crise do Regime Ditatorial Militar2 que se instalara no país em abril de 1964. Várias lutas localizadas anunciavam o surgimento de um novo movimento de luta pela terra no Brasil: em Ronda Alta, no Rio Grande do Sul, em setembro de 1979, 110 famílias ocuparam as glebas Macali e Brilhante; em Campo Erê, Santa Catarina, em 1980, ocorre a ocupação da fazendo Burro Branco; no Paraná, mais de dez mil famílias, que teriam suas terras inundadas pela construção da barragem de Itaipu, organizavam-se contra o Estado; em São Paulo, ocorria a luta dos posseiros da fazenda Primavera, nos municípios de Andradina, Castilho e Nova Independência, no Mato Grosso do Sul, nos municípios de Naviraí e Glória de Dourados, milhares de trabalhadores rurais arrendatários lutavam pela permanência na terra. (MORISSAWA, 2001).

Esses movimentos localizados, a partir de uma articulação da CPT, ligada ao setor progressista da Igreja Católica, promoveram vários encontros regionais entre suas lideranças, que desembocaram num Encontro Nacional ocorrido em janeiro de 1984, em Cascavel, município do Paraná, no qual é fundado o MST como um movimento nacional de luta pela terra, pela reforma agrária e por mudanças sociais. Conforme verificamos no site www.mst.org.br, que explana a história do MST, um ano depois, em janeiro de 1985, na cidade de Curitiba (PR), o MST realiza seu 1º Congresso Nacional.

O que é interessante observar é que já existia, neste momento, no Brasil, uma organização cuja principal bandeira era a luta pela terra. O conjunto do sindicalismo oficial do trabalhadores rurais, existente no Brasil desde 1962 contava, na época, com cerca de 2.500 sindicatos espalhados por todo o país.

A união dos trabalhadores integrantes do MST faz a diferença e é fundamental para que consigam atingir os objetivos que o grupo almeja. Todos se dedicam ao máximo em busca dos ideais da coletividade, unindo-se, ocupando e discutindo suas metas.

Para reivindicar crédito agrícola, se reuniram cerca de 40.000 pessoas que fazem parte do MST numa marcha a Brasília em 1997 (Figura 3), coordenados por um dos fundadores do movimento: o gaúcho João Pedro Stedile (casado, pai de quatro filhos e economista formado pela PUC do Rio Grande do Sul) com uma determinação incomum em busca dos objetivos coletivos. (www.mst.org.br).



Figura 3 – Marcha a Brasília pelos Integrantes do MST em 1997

Fonte:www.mst.org.br.



Em 27 de fevereiro a 3 de março de 1989, realizou-se em Sumaré, Campinas, São Paulo, o quinto Encontro Nacional do MST, neste encontro foi escolhido o Hino do Movimento Sem Terra, que fora composto por Ademar Bogo, do MST-BA.

Em seguida consta a letra:

HINO DO MOVIMENTO SEM TERRA

Vem, teçamos a nossa liberdade

braços fortes que rasgam o chão

sob a sombra de nossa valentia

desfraldemos a nossa rebeldia

e plantemos nesta terra como irmãos!

Vem, lutemos punho erguido

nossa força nos leva a edificar

nossa pátria livre e forte

construída pelo poder popular.

Braço erguido, ditemos nossa história

sufocando com força os opressores

hasteemos a bandeira colorida

despertemos esta pátria adormecida

amanhã pertence a nós trabalhadores!

Nossa força resgatada pela chama

da esperança no triunfo que virá

forjaremos desta luta com certeza

pátria livre operária camponesa

nossa estrela enfim triunfará!

Os integrantes do Movimento Sem Terra demonstram acreditar que a ocupação é a mais provável solução para os problemas agrários, mas sabem que não basta em si, é preciso resistir na terra e produzir é a forma de fortalecer a resistência e um modo de garantir a sobrevivência.

Durante o IV Encontro Nacional do MST, realizado em janeiro de 1987, em Piracicaba, São Paulo, aconteceu a escolha e aprovação oficial da Bandeira do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (Figura 4) a seguir.





























Figura 4 - Bandeira do MST

Fonte: www.mst.org.br



A Bandeira é um símbolo do caráter nacional da luta pela Reforma Agrária, cujos desenho e cores têm o seguinte significado: mapa do Brasil representa que o MST é uma organização em nível nacional e quer levar a luta pela reforma agrária para todo o país; homem e a mulher representam a necessidade de a luta ser feita por homens, mulheres, famílias inteiras; facão representa as ferramentas de trabalho, de luta e de resistência; cor branca representa a paz, que somente poderá ser conquistada quando houver justiça social para todos; cor vermelha representa o sangue que corre nas veias e a disposição de luta pela reforma agrária e pela transformação da sociedade; cor preta representa o luto e a homenagem a todos os trabalhadores que já tombaram, lutando pela nova sociedade; cor verde representa os grandes latifúndios por ocupar e fazer produzir e a esperança de que a luta seja vitoriosa.

2.1 A luta pela terra no território nacional



Os sem-terra brasileiros lutam, ocupando terra, acampando, conquistando e se territorializando. Dessas experiências, esse povo de “beira de quase tudo, retiram suas lições de semente e história. Assim, espremidos nessa espécie de geografia perdida, que sobra entre as estradas, que é por onde passam os que têm onde ir, e as cercas, que é onde estão os que têm onde estar, os Sem Terra sabem o que fazer: plantam. E plantam porque sabem que terão apenas o almoço que puderem colher, como sabem que terão apenas o país que puderem conquistar. (RUFINO, Paulo: O canto da Terra, 1991, apud FERNANDES, 1998 p.65).



A luta pela terra foi uma ação desenvolvida pelos camponeses para entrar na terra e resistir contra a expropriação. A resistência do campesinato brasileiro é uma lição admirável, pois em todos os períodos da história os camponeses lutaram para conseguir a terra, lutaram contra o cativeiro e conseqüentemente por sua liberdade, das mais diferentes formas e sofrendo as mais diferentes humilhações, conforme citação abaixo que retrata a situação dos sujeitos excluídos da sociedade que se unem em busca de melhor condição de vida:



O sentido político da luta dos sem-terra não decorre das relações mais imediatas que eles mantém, mas está no fato de porem a nu a sua comum situacao de excluídos, devido à estrutura agrária vigente e de exigirem do estado medidas que lhes garantam o acesso à propriedade da terra e a sua reintegracao econômica e social como pequenos proprietários. (GRZYBOWSKY, 1991, p.24).



Há 500 anos, desde a chegada do colonizador português, começaram as lutas contra a exploração e conseqüentemente contra o cativeiro da terra, contra a expulsão, que marcaram as lutas dos trabalhadores, das lutas dos povos indígenas e dos escravos, desde o final do século passado, dos imigrantes, desenvolvendo as lutas camponesas pela terra. Lutas e guerras sem fim, contra a expropriação produzida continuamente no desenvolvimento do capitalismo.

Neste século XX, a luta pela reforma agrária passou a fazer parte de uma história de luta e resistência camponesa, com intensificação da concentração fundiária como resultado da exploração e das desigualdades geradas pelas políticas inerentes ao sistema sócio econômico, sendo a reforma agrária uma política pública possível de amenizar o problema fundiário através da distribuição justa da terra, que se faz através da união e organização coletiva.

A Constituição de 1988 relata que terras improdutivas deveriam ser destinadas para fins de Reforma Agrária, mas não reflete o que de fato queriam os trabalhadores rurais, ou seja, incluir na Constituição dispositivos que inviabilizassem permanentemente a produção do latifúndio, o que provocaria uma ampla reforma agrária imediatamente, garantiriam a legalidade da ação do MST que definiu como estratégia oficial de luta as ocupações, forçando o processo de desapropriação, assentamento e emissão de títulos de posse da terra.

No Capítulo III da Constituição Federal de 1988 consta:



Art. 184 – Compete à União desapropriar, por interesse social, para fins de reforma agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão e cuja utilização será definida em lei.



Nesse sentido, a Reforma Agrária se constitui num dos capítulos da Constituição Federal, sob protesto da bancada ruralista . No Brasil sempre existiram vários movimentos organizados por camponeses, o que mais se destaca hoje é o MST, cuja proposta é a melhor divisão das terras brasileiras, buscando na coletividade dos sujeitos a conquista da terra.

A questão agrária é um desafio para os brasileiros, a contínua luta pela terra, a monopolização da propriedade fundiária, o desenvolvimento extensivo e intensivo do capitalismo no campo e a luta pela democracia fazem parte deste contexto. São muitas as famílias envolvidas na luta pela terra, e esse número tem aumentado gradativamente.

Na tabela 1 constam dados que comprovam as ocupações de terra no Brasil de 1987 a 2001, nela podemos verificar os avanços do número de ocupações de terra, segundo a Comissão Pastoral da Terra, que nos afirma dados significativos destas ocupações.

Na tabela 2 consta o número de famílias assentadas de 1985 a 2001, nos respectivos governos federais, onde se pode fazer um comparativo das famílias que receberam terra nesse período.

Tabela 1 - Ocupações de terra no Brasil - 1987-2001

AANO OCUPAÇÕES SEGUNDO A CPT FAMÍLIAS ENVOLVIDAS, SEGUNDO A CPT OCUPAÇÕES LIGADAS AO

MST % DAS OCUPAÇÕES DO MST SOBRE O Nº TOTAL DE OCUPAÇÕES OCUPAÇÕES DE TERRAS

1987 67 11.772

1988 72 9.986

1989 80 16.030

1990 49 8.234

1991 77 14.720

1992 81 15.538

1993 89 19.092

1994 119 20.516

1995 146 30.476

1996 398 63.080 176 44% 397

1997 463 58.266 173 38% 502

1998 599 76.482 132 22% 446

1999 593 78.258 455

2000 393 64.497 190 48% 226

2001 194 26.120 82 42% 157

Fontes: Setor de documentação da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Cadernos Conflitos no Campo, 1987-2001, Dataluta: Banco de dados da luta pela terra, 1999 (apud Bernardo Mançano Fernandes, A formação do MST no Brasil. Petrópolis, Ed. Vozes, 2000, p.261). Incra/Ministério do Desenvolvimento Agrário. Para os quadros em branco, não há dados disponíveis.



Em 1996, a meta do governo era assentar 60 mil famílias. Em julho de 1996, o MST denunciava que, de um total de 30 mil famílias que deveriam ser assentadas no primeiro semestre do ano, tinham sido assentadas 18 mil (60% da meta do primeiro semestre). Das 18 mil famílias assentadas esse ano, 80% foi na região norte e no estado do Maranhão. Estados como Bahia, Paraná, Rondônia, Piauí e Pernambuco, com milhares de famílias acampadas, não tiveram uma única família assentada.

Segundo os dados divulgados pelo governo, no ano de 1996 teriam sido assentadas 62.044 famílias (Tabela 2), número superior às 60 mil famílias que constavam nas metas do governo. Ocorre que, segundo o relatório da Associação Brasileira de Reforma Agrária, 68% resumiram-se a ações em projetos antigos, ou seja, o número de novas famílias assentadas em novos projetos não teria passado de 19.800, conforme o que segue:

Tabela 2 - Famílias assentadas pelo governo federal - 1985-2001

PERÍODO

ANO

GOVERNO FAMÍLIAS ASSENTADAS, DADOS DO GOVERNO FAMÍLIAS ASSENTADAS, SEGUNDO A

ABRA FAMÍLIAS ASSENTADAS, SEGUNDO O IPEA

1985-1989 (gov.Sarney)















(1985-89) 115.070

1990-1992 (gov.Collor) 494

1993-1994 (gov.Itamar) 36.481

1995 (gov.FHC) 42.912 32.699

1996 62.044 19.800

1997 81.944 60.425

1998 101.094 76.027

1999 85.226 25.831 53.197

2000 108.986 36.061

2001 102.449 23.573*

Fontes: 1985 a 1994 - Incra/Ministério Extraordinário da Política Fundiária Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA).* Disponível em www.mst.org.br.



Já o número de ocupações de terra teve, em 1996, um salto expressivo: de 146 ocupações, envolvendo 30.476 famílias, em 1995, passou para 398 ocupações (aumento de 172%), envolvendo 63.080 famílias (aumento de 106%), em 1996 (Tabela 1). Nunca, antes, o número de ocupações de terra e de famílias envolvidas nessas ações tinham experimentado um salto tão expressivo de um ano para outro. Isto significa, a nosso ver, que, nesse momento, a luta pela terra, através das ocupações, ganhava uma relevância política capaz de efetivamente incomodar o governo. Das 398 ocupações de terras realizadas durante 1996, 176, ou seja, 44%, estavam ligadas ao MST.

Este último dado revela, também, um outro aspecto importante da questão: a partir de meados dos anos 90, mais especificamente do governo de FHC, numa conjuntura política menos repressiva, as ocupações, como instrumento de luta pela terra, deixaram de ser monopólio do MST e passaram a ser utilizadas por outras forças atuantes no campo, algumas dissidentes do próprio MST. Não obstante a inegável importância do MST nessa forma de luta – pois ele foi responsável, sozinho, por quase a metade das ocupações em 1996, vale ressaltar que o salto quantitativo das ocupações deveu-se, também, ao engajamento de outras forças nesse tipo de luta. Ressalta o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária que o melhor exemplo neste caso, talvez sejam as ocupações realizadas pela CUT (Central Única dos Trabalhadores) e pelas Federações dos Trabalhadores na Agricultura, em vários estados do país.

Saramago (1997) relata no Prólogo do Livro Terra de Sebastião Salgado, a seguir, a situação que muitas famílias brasileiras enfrentam em busca pela terra:



Existem dezenas de milhares de famílias brasileiras que vivem em acampamentos à beira das estradas em vários pontos do país. São famílias de sem-terra que vão se juntando e formando verdadeiras cidades, às vezes com uma população de mais de 10 mil habitantes. As condições de vida são as mais rudimentares; falta tudo: água, alimentação, instalações sanitárias, escola para as crianças, assistência médica, etc. Além disso, essas pessoas vivem em grande insegurança, sujeitas às provocações e violências por parte dos jagunços e outras forças de repressão organizadas pelos latifundiários que temem a ocupação de suas propriedades improdutivas. A situação nessas “cidades” é de fato pior que a dos campos de refugiados na África, pois os sem-terra não contam com a proteção das autoridades, não recebem assistência institucional e nenhuma organização humanitária ou a Organização das Nações Unidas lhe presta socorro. Seja como for, os deserdados da terra alimentam a esperança de melhores dias e uma coisa é certa: não querem mais fugir para as cidades, que já não podem mais absorvê-los, dar-lhes trabalho e condições dignas de vida. Preferem, pois, resguardando-se das ameaças da delinqüência e da prostituição dos grandes centros urbanos, permanecer nos acampamentos à margem das estradas e esperar pela oportunidade de ocupar a terra tão sonhada, mesmo correndo risco de vida. Seus projetos são idênticos: lavrar um pedaço de terra finalmente seu, construir uma casa para a família, assegurar o sustento desta e, por meio da cooperativa a ser criada, comercializar os excedentes de sua produção agrícola, garantindo a manutenção de escola para os filhos. É esse, em síntese, o sonho comum dos sem-terra.



Para complementar o Prólogo, Sebastião Salgado retratou, entre outras, crianças acampadas à margem da BR 158, entre os Municípios de Rio Bonito do Iguaçu e Laranjeiras do Sul em 1986.

Essas crianças vieram acampar-se junto com suas famílias, viviam em barracos de lona preta, ficando um longo período à margem da BR brincando e observando os carros passarem, em grande situação de risco e sofrendo perigos também de desnutrição devido a situação de vida que enfrentaram cotidianamente.

Entretanto, embora crianças, lutavam desde cedo pela sobrevivência e conseqüentemente pela posse terra, conforme eu mesma presenciei na época e verificando a figura 5, a seguir:

Figura 5 - Crianças em um acampamento sem-terra às margens da rodovia PR-158. Paraná,1996

Fonte: Sebastião Salgado



O número de sujeitos ligados ao Movimento Sem Terra crescem gradativamente em todo país, cada dia mais as famílias se conscientizam que é através da integração a um movimento social que vão angariar forças para conseguirem a posse da terra, conforme tabela 3 a seguir:

Tabela 3 - Número de acampamentos do MST nos estados e famílias ligadas ao Movimento no país, no ano 2001.

ESTADO ACAMPAMENTOS FAMÍLIAS

AL 8 867

BA 21 5.306

CE 6 450

DF 3 254

ES 6 1.030

GO 9 591

MA 7 1.378

MG 6 1.073

MS 6 2.841

MT 2 1.400

PA 3 1.950

PB 2 340

PE 74 13.723

PI 7 631

PR 86 5.846

RJ 5 1.610

RN 10 1.610

RO 5 1.061

RS 4 6.200

SC 11 2.979

SE 23 4.558

SP 26 3.755

TOTAL 330 59.453



Fonte: Incra/Ministério Extraordinário da Política Fundiária.



A luta pela Reforma Agrária é uma luta mais ampla, que envolve toda a sociedade, é mais específica, desenvolvida pelos sujeitos interessados. A luta pela Reforma Agrária contém a luta pela terra e esta promove a luta pela Reforma Agrária.

Compreendemos que ainda não foi implantado um projeto de Reforma Agrária no Brasil como o governo federal, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva defende, mas está há uma intensificação da luta pela terra, com o crescimento das ocupações realizadas por diversos movimentos sociais, principalmente pelo MST.

O papel histórico do Movimento Sem Terra em nosso país é enorme, reflete uma luta social imensa pelos menos favorecidos, conforme relata FERNANDES (2000) sobre essas pessoas: “são homens e mulheres da geografia perdida que estão encontrando a sua história”.

2.2 A Luta Pela Terra no Campo Paranaense



“Povoando dramaticamente esta paisagem e esta realidade social e econômica, vagando entre o sonho e o desespero existem 4.800.000 famílias de rurais sem terras. A terra está ali, diante dos olhos e dos braços, uma imensa metade de um país imenso, mas aquela gente (quantas pessoas ao todo? 15 milhões? Mais ainda?) não pode lá entrar para trabalhar, para viver com a dignidade simples que só o trabalho pode conferir, porque os voracíssimos descendentes daqueles homens que haviam dito: ‘Esta terra é minha’, e encontraram semelhantes seus bastante ingênuos para acreditar que era suficiente tê-lo dito, esses rodearam a terra de leis que os protegem, de policias que os guardam, de governos que os representam e defendem, de pistoleiros pagos para matar.”

José Saramago



No Estado do Paraná, a exemplo de todo país, houve sempre histórias de lutas e tensões pela busca da terra. Os conflitos se agravaram a partir do começo do século, como resultado da passagem das terras devolutas para a competência dos estados e com a multiplicação das iniciativas governamentais de colonização direta ou indireta, através de concessões de terras a empresas particulares, além da intensificação da ocupação não legalizada da terra, por parte de lavradores provindos de outros estados.

No final dos anos 40 e durante a década de 50 os conflitos assumiram proporções mais amplas, havendo luta pela terra entre lavradores sem títulos considerados legais, ligados principalmente a economia de subsistência com base no trabalho familiar e fazendeiros ou empresas colonizadoras, voltadas para a exploração comercial da terra e para sua apropriação como investimento de capital.

Duas facções principais em disputa pela apropriação da terra: os grileiros, muitas vezes em litígio tanto com posseiros como com proprietários legais e os intrusos ou grileiros sem capital, que faziam da intrusão um meio de sobrevivência ou uma forma de mercantilização da terra, vendendo a proprietários seus direitos ou benfeitorias. Nos mostra Torrens (1992, p.28):



Desde o início do processo de colonização do território paranaense, a luta pela apropriação privada da terra ocupou um espaço privilegiado no campo dos conflitos sociais desenvolvidos no meio rural. A forma desordenada pela qual se deu a ocupação das terras pertencentes ao Estado concedidas a empresas colonizadoras particulares provocou uma situação fundiária bastante confusa, onde se observavam superposições de títulos de propriedade e inúmeros casos de litígios jurídicos em função de limites de áreas.



Ao posseiro, intruso, proprietário ou grileiro somava-se uma situação fundiária confusa, com superposição de títulos e inúmeras questões de limites. Todos estes elementos estiveram presentes nos principais momentos da colonização do Paraná, principalmente na colonização das zonas novas – Norte, Oeste e Sudeste do Estado.

De 1960 em diante, o Estado interfere mais decisivamente na resolução de focos de conflito pela posse da terra, através de desapropriações localizadas e regularização fundiária, diminuindo sua freqüência e intensidade, mesmo assim o Estado do Paraná se destacou pela ocorrência de questões da terra. (TORRENS, 1992).

De 1964 a 1977 a pressão contra os trabalhadores e sindicalistas fez com que houvesse união por mais direitos, então foram realizadas ações governamentais de vinculação do FUNRURAL (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural) ao sindicalismo de levar, via MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização e PIPMO (Programa Intensivo de Preparação de Mão de Obra Industrial), uma visão desmobilizadora da educação no meio rural, que marcaram decididamente os sindicatos rurais pela ótica de colaboração com os órgãos públicos, em detrimento do seu caráter reivindicatório. O sindicalismo passa a centrá-las na solicitação do cumprimento da legislação já em vigor através do Estatuto da Terra e hoje extinto Estatuto do Trabalhador Rural. (TORRENS, 1992).

A partir de 1977 os movimentos sociais no campo paranaense se intensificaram, precedendo uma atuação mais decisiva das lideranças institucionais dos trabalhadores. Houve intercâmbio de opiniões e de manifestação pública dos sujeitos, atuação mais aberta de grupos de apoio (CPT, partidos, sindicatos urbanos), e a própria reativação dos sindicatos como instrumentos reivindicatórios dos produtores e trabalhadores do campo foram elementos relevantes para o processo de organização da luta pela terra no Paraná no período de 1978 a 1982.

Em 1981, constatou-se que cerca de 500 famílias de agricultores, arrendatários, posseiros e trabalhadores avulsos da área desapropriada para barragem de Salto Caxias no Rio Iguaçu ficaram sem terra ou ocupação no Paraná, conforme registros da CPT foram formadas comissões, que reuniram cerca de 6250 famílias, formando o chamado “Movimento dos Agricultores Sem Terra do Oeste do Paraná”, que reivindicaram terra para produzirem, baseados no pressuposto de que existiam terras ociosas na região, passiveis de serem desapropriadas por interesse social a partir da aplicação do Estatuto da Terra. Os lavradores demonstraram na prática que possuíam mão de obra qualificada para cultivar a terra e fazê-la produzir. (TORRENS, 1992).

Nos anos de 1983 e 1984 iniciou-se um novo tipo de sindicalismo que tanto foi importante para mudanças nos demais sindicatos, quanto incentivou a constituição de vários núcleos de oposição por todo o Paraná. Além dos movimentos mais organizados pela conquista da terra, registraram-se no Paraná conflitos entre proprietários ou grileiros e posseiros, envolvendo freqüentemente violência de jagunços e da polícia. (TORRENS, 1992).

Houve desapropriação de uma área de 93.000 hectares nos municípios de Laranjeiras do Sul, Guaraniaçu e Quedas do Iguaçu, a subseqüente ocupação destas áreas por cerca de 1500 sem terra da região do sudoeste e expulsão violenta por jagunços da firma proprietária do imóvel vizinho, a qual passou a intitular-se dona da área desapropriada. Registraram-se as seguintes características nesses processos de desapropriação, conforme Torrens, (1992):

- Violência e outras formas de pressão contra os trabalhadores sem terra, especialmente no caso da área desapropriada em Quedas do Iguaçu, Guaraniaçu e Laranjeiras do Sul.

- Os proprietários, em grande parte dos casos, só surgiram para discutir seus direitos recentemente. As terras onde ocorreram as tensões estavam incultas até a chegada dos posseiros.

- Em todos os litígios, registrou-se participação dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais na coordenação de discussões para o encaminhamento das reações coletivas dos trabalhadores atingidos.

- Os ascensos dos movimentos sociais se tornaram mais visíveis na medida em que acampamentos de sem terras eclodiram por todo o Estado do Paraná, envolvendo 4.626 famílias em 25 municípios totalizando 44 acampamentos entre fevereiro de 1985 e setembro de 1986.

Entre tantos casos de violência e morte, está a do Padre Josimo Tavares, nascido em Marabá, no Pará, em 1953, negro, pobre e desperezado pelos poderosos. Tinha como meta a defesa dos trabalhadores rurais. Trabalhava na CPT e os fazendeiros o chamavam de “macaco comunista”. No dia 10 de maio de 1986 foi baleado pelas costas e não resistiu. Sua morte obrigou o governo a tomar, mesmo a contragosto, medidas para diminuir a violência na região e dar títulos de propriedade a pelo menos parte dos posseiros do Paraná. Eis a seguir uma mensagem de paz deixada por ele.

Páscoa-paz!

Paz da morte injuriada que se irmana à vida.

Paz da Terra revivida pelas Águas.

Águas que organizam

E, para além dos rebancos, produzem a luz.

Luz, que exorciza as fontes do mal,

Que dissipa as densas trevas do Medo,

Que rearticula com a rigidez dos ventos

A gragilidade das mãos e dos pensamntos

De nós seres criados diuturnamente.

Luz acostumada aos trilhos das Grandes Águas,

Que firma os passos nos desertos,

Que sulca em nossa carne de retirantes

Os traços definitivos da Libertação...

Josimo Tavares (MORISSAWA, 2001, p.142).



No ano de 1996, época de muitas ocupações, organizou-se o acampamento na BR 158, em Rio Bonito do Iguaçu, o maior já visto, conforme relato de entrevista de campo com Danilo Ferreira de Almeida, falando que tinha cerca de 3.048 famílias reunidas com o objetivo de conseguir a posse da terra no latifúndio da Fazenda Giacomet Marodim.

Os sem-terra estão organizados em praticamente todas as regiões do Paraná, consolidando seu Movimento, em constante negociação com o Incra e com o governo estadual, ocupando, resistindo e produzido e até 1990 conquistaram cerca de sessenta assentamentos dentro do estado. Este ano foi particularmente tumultuado no campo paranaense. Em Inácio Martins, Telêmaco Borba, Castro e Prudentópolis os acampados foram atacados por pistoleiros que feriram diversos trabalhadores. Em Quedas do Iguaçu, centenas de policiais militares despejaram 50 famílias que ocupavam a Fazenda Solidor. Mais de mil acampados ocuparam as prefeitura de Laranjeiras do Sul, Cantagalo e Teixeira Soares, reivindicando estradas, escolas e postos de saúde. Até outubro o governo, além de ter cortado recursos para os assentados, nao havia feito qualquer desapropriação de áreas ocupadas nem assentado nenhuma família no ano.

Em abril de 1991 havia 2.500 famílias acampadas em 14 áreas, representando 6 mil familias entre acampadas e assentadas, 200 trabalhadores rurais ocuparam a sede do Incra em Curitiba, por recursos, desapropriações, emissão de posse para as áreas ocupadas e com produção em todo o estado. Obtiveram a liberação de verba e o compromisso de legalização de 15 mil hectares.

Logo no inicio de 1992, foram feiras sete ocupações no estado, envolvendo 1.295 famílias, nos municípios de Campo Bonito, Cantagalo, Ribeirão, Ibati, Tamarana, Bituruna e Mangueirinha. Em abril mais de mil trabalhadores realizaram uma caminhada de 130 km, de Ponta Grossa a Curitiba, e ocuparam a sede do Incra, conquistando a emissão de posse de diversas fazendas, totalizando 9.700 hectares, mais a liberação de quatro áreas ocupadas. Além disso, o governo entrou em negociacao com os donos de seis fazendas, que somavam 12.400 hectares.

De 1994 a 1999, as ocupações, acampamentos e manifestações foram uma constante no campo paranaense. Em Abril de 1996 foi realizada a maior ocupação da Regional do Sul, quando três mil famílias ocuparam a já citada fazenda Pinhal Ralo. Essa ocupação foi objeto de fotos de Sebastião Salgado, que tiveram grande repercussao. Em janeiro de 1997, foram finalmente desapropriados 16.852 hectares dessa fazenda, um caso que demorou mais de 12 anos a ser resolvido.

As reações dos latifundiários, usando seus jagunços e a polícia, foram também uma constante. Um dos casos mais graves ocorreu em maio de 1999, quando, com carros equipados, caes treinados, helictóperos, mais de 100 viaturas, cerca de 30 ônibus e ambulancias, fuzis, armas automáticas e bombas de gás lacrimogênio, a PM realizou o despejo de famílias em Querência do Norte. Eram quase dois mil policiais na operação para as doze áreas. E doze sem-terras foram presos. O delegado Mário Sérgio Braddock comandou o despejo das famílias acampadas em Querência do Norte. Os protestos contra a violência da operação fizeram com que fosse transferido. (MORISSAWA, 2001, p.177).



3 O ACAMPAMENTO DE RIO BONITO DO IGUAÇU EM 1996



O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra organizou-se no país inicialmente em estados da região Sul, Sudeste e Centro-Oeste. O primeiro congresso foi realizado em janeiro de 1985, reunindo trabalhadores de todas as regiões do Brasil. Iniciou-se então o processo de territorialização do Brasil e expandiu-se para todos os estados.

Entre os muitos acampamentos surgidos a partir desta época, em 1996 organizou-se o acampamento considerado o maior da América Latina, com mais de três mil famílias, na BR 158, entre Rio Bonito do Iguaçu e Laranjeiras do Sul-Paraná.

Nos cadastros realizados tanto nos Sindicatos anteriormente, ou na chegada ao acampamento, constava dados dos membros da família e se eram procedentes da agricultura. Também perguntavam para as famílias se tinham intenção de fazer parte do MST e de se unirem para ocupar um acampamento de sem terras, conforme relato do Senhor Enio Neodi Pascoalin.

O pensamento inicial em formar um grande acampamento de Trabalhadores Rurais Sem Terra no Município de Rio Bonito do Iguaçu no ano de 1996 iniciou com o cadastramento das famílias, que demonstravam a intenção de trabalhar na agricultura, conquistando as terras para sobreviver.

Na chegada na BR para se acamparem tinham famílias que sentiam bastante medo, pois viam na conquista da Fazenda Giacomet muitas dificuldades, por vários motivos: tinha milícias armadas, já havia tido outras tentativas de ocupação sem sucesso anteriormente em meados dos anos 80. Algumas famílias já haviam participado de outros acampamentos e tinham sido despejadas.

Tinha também muita gente alegre, que sentiam que estavam dando os primeiros passos para conquistar uma nova vida, produzir e ter uma vida digna. Os sentimentos eram muito diferentes, muitas e variadas demonstrações de emoções aconteciam, com ansiedade geral, mas muita garra,

Muitos integrantes do acampamento já haviam participado de outros movimentos como o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) e também de organizações sindicais de muitos lugares. Incentivaram a formação desse acampamento os presidentes de sindicatos da região e principalmente o Senhor Jaime Callegari, que era coordenador do MST em nível estadual. Nesse sentido, relata uma liderança do assentamento:



Ninguém vai morar embaixo de uma lona preta porque gosta, vai porque tem planos e expectativas para o futuro, buscando estrutura para a família. Eu fui incentivado por companheiros, a princípio não tinha interesse de vir, mas depois acabei indo e gostei, foi onde acabei me aprofundando, fazendo alguns estudos entendendo assim sobre a reforma agrária. Sendo que acabei virando uma das principais lideranças dentro do Assentamento, nunca pensei em ser, mas acho que meu perfil me levou a chegar a essa liderança. (Danilo-Líder do MST Assentado)



Chegaram a um número de mais de três mil famílias nesse acampamento, que segundo levantamento realizado pela coordenadoria geral da época, vieram de sessenta e dois municípios diferentes, tinham dezesseis tipos de religiões e culturas das mais variadas. Vieram também de dois acampamentos pequenos já formados, um em Saudade do Iguaçu e outro em Laranjeiras do Sul, que se reuniram e formaram um grande acampamento, conforme relato dos entrevistados.

O início da vinda das famílias para o acampamento foi dos dias 25 de março a 16 de abril de 1996, vinha gente de diversas regiões e todos os que chegavam era cadastrados e aceitos. Era discutido a forma de organização, o comportamento, tinham as regras, as normas e as famílias que achavam que se enquadravam nessas regras eram todas aceitas, conforme relato de Danilo.

Os entrevistados nos relatam que foram organizados grupos de até trinta famílias cada. Esses grupos eram organizados de diferentes formas: por região, por município, por conhecidos, etc. De cada grupo se tirava um coordenador, que tinha a tarefa de organizar e informar o coordenador geral, alguém responsável pela infra estrutura necessária que o acampamento tinha que ter (saúde, educação, alimentação). O líder geral que coordenava as decisões de todos os grupos era o senhor Ireno Alves, que veio a falecer e o primeiro assentamento levou seu nome em sua homenagem. Tinha também o Padre Afonso, que passava muita esperança através de textos bíblicos, falando das lutas dos povos de Moisés, Abraão, passando aos acampados grande fé, segundo o relato dos entrevistados.

Os trabalhadores sem terra decidiram estar acampados por desejos e interesses, objetivando a transformação da realidade para se tornarem assentados. As realidades eram muito diferentes, de modo que as decisões finais dependiam das discussões das famílias que estavam fazendo a luta.

Á primeira vista o acampamento parecia ser ajuntamento desorganizado de barracos, mas possuía determinadas disposições conforme a topografia do terreno e as condições de desenvolvimento da resistência ao desejo e das perspectivas de enfrentamento com jagunços. Nesses espaços faziam plantações pequenas (hortas), farmácia improvisada, escola, local de assembléias, etc, conforme presenciei nessa época.

Como forma de organização do acampamento os Sem Terra criaram comissões e equipes. Participaram famílias inteiras ou parte de seus membros. O objetivo das comissões era dar condições básicas para a manutenção das necessidades nas áreas da educação, saúde, segurança, negociação, trabalho, etc, também trabalhavam fora do acampamento para se manterem e vendiam sua força de trabalho como bóias frias nas propriedades que conseguiam serviço, conforme relato de Dalíria dos Santos Mello.

O acampamento era um espaço e tempo de transição na luta pela terra, com realidades em transformação, espécie de materialização da organização dos sem terra e traziam em si os principais elementos organizacionais do movimento. Formavam espaços de lutas e resistências e as ações de ocupar e acampar interagiram nos processo de espacialização e territorialização. Verificamos na citação abaixo a afirmação dessa idéia:



A terra é um recurso natural finito que deve, em primeiro lugar, servir a vida e beneficiar a toda sociedade. Defendemos a mais ampla democratização da sua posse e uso. Somos contra a concentração a propriedade da terra e o seu uso para explorar outras pessoas ou outros povos. Defendemos uma reforma agrária autêntica que garanta a todos o direito de trabalhar na terra e democratize sue acesso, priorizando as formas de agricultura familiar, social e cooperativa. Defendemos o direito dos camponeses/as se organizarem, nas mais diferentes formas dentro de suas comunidades e locais de moradia. Defendemos a necessidade dos governos e Estados protegerem e estimularem a agricultura familiar, camponesa e cooperativa com políticas agrícolas adequadas de preços, assistência técnica, e mercados garantidos, como um meio de produzir alimentos e preservar nossa cultura. (MST, 2005).



Tendo como base a posse da terra, para nela trabalhar e tirar seu sustento, o acampamento da BR 158 foi lugar de mobilização constante. Além de espaço de luta e resistência também o espaço era interativo comunicativo, fazendo periodicamente análises da conjuntura da luta. As ações contaram com o apoio das articulações políticas, procurando mudar a conjuntura para desemperrar o processo de negociação, mas nem sempre conseguiram modificar a conjuntura.

A maior parte das famílias vinham com as crianças, que dali faziam seu lar: ajudavam os pais nos afazeres domésticos, brincavam e estudavam. A foto apresentada abaixo, que não acompanha nome, só é esclarecido mais tarde ser de Juceli:

Retrato de menina sem-terra Juceli à margem da rodovia estadual PR-158, que liga Laranjeiras do Sul a Chopinzinho, no Paraná. Ali ficaram reunidas vários meses, mais de 3 mil famílias à espera da ocupação das terras, no Paraná em 1996." . "...As condições de vida são as mais rudimentares; falta tudo: água, alimentação, instalações sanitárias, escola para crianças, assistência médica, etc....os desertados da terra alimentam a esperança de melhores dias... (Sebastião Salgado, 1996)



Foto: Sebastião Salgado

Figura 6 - Menina sem terra à margem da Rodovia 158

Quando as negociações chegaram ao impasse, aconteceram diversos conflitos violentos e até mortes. Muitas famílias desistiram nesta época por uma série de motivos, principalmente pela falta de perspectiva ocasionada pela demora em assentar-se e pela violência dos despejos e dos jagunços.

Por meio da compreensão de organicidade, expressa pela identidade política é que se organiza um acampamento que é o princípio de um assentamento e da mudança radical na vida dos trabalhadores sem terra.

As experiências no acampamento da BR 158 marcam a história de vida dos Sem Terra que por ali permaneceram por um longo tempo, enfrentando frio, fome, chuva e condições precárias de falta de higiene, saindo até o “Buraco”, indo até o “Portão” para depois irem até os lotes de terra.

O principal objetivo de todas as famílias acampadas é a conquista da terra, então integram-se ao MST, para no coletivo buscar seus direitos e conseguir a posse, mas essa é uma tarefa difícil, que demanda muito tempo e resistência a muitos desafios.



3.1 A organização interna dos acampamentos



Morissawa (2001, p. 200) nos mostra que um acampamento, abrangendo um grupo tão grande de pessoas, necessita de organização. A primeira medida nesse sentido é a constituição de núcleos, com 10 a 30 famílias, organizando quase sempre de acordo com o município onde vieram.

Nesses núcleos organizam-se os principais serviços e tarefas: alimentação, saúde higiene, educação, religião, finanças, lazer, etc. cada função possui um responsável e equipes de serviço que se organizam regularmente para avaliar e planejar as atividades.

Há ainda um sistema de coordenação geral do acampamento, responsável por dar unidade ao trabalho das varias equipes, encaminhar as lutas, negociar com o governo e relacionar-se com a sociedade. Essa organização envolve: Assembléia Geral do acampamento (órgão máximo de decisão, que se reúne periodicamente); os líderes de núcleos, que se reúnem também de tempos em tempos, encaminhas o dia a dia do acampamento, eleita pelos acampados. Os princípios que norteiam a organização são a democracia, a participação de todos no processo decisório, a divisão de tarefas e a direção coletiva, conforme relataram os entrevistados.

O acampamento se sustenta com o produto do trabalho dos acampados, a contribuição dos membros do movimento que já conquistaram terra, a solidariedade de pessoas e entidades e recursos obtidos pelo governo.

Na época do Acampamento no Buraco tinha cerca de noventa e seis grupos, com cerca de trinta famílias cada grupo, variando uns com mais, outros com menos famílias integrantes, e também tinham a cultura de denominar o nome do local de origem e da brigada que pertenciam, conforme relato de Sérgio Knopf.

Nos relataram os entrevistados que a rotina do dia a dia era dividida por tarefas e setores. As crianças, por exemplo, se envolviam com educação. Mesmo não tendo estrutura necessária, foi conseguido junto a defesa civil construir barracões com lona e nesse local funcionavam escolas para as crianças estudarem. Aos coordenadores cabia as tarefas de organizar, participar de reuniões, palestras e discussões referentes ao acampamento e decidir as estratégias a serem tomados. As pessoas ligadas a área de saúde discutiam sobre saúde, e assim sucessivamente.

Foram feitas hortas comunitárias, onde produziam temperos, verduras e hortaliças que nasciam rápido. Como era em abril, não era época de produção, pois nessa região se planta nas lavouras a partir de agosto e setembro, então não se produzia nessa época, conforme os entrevistados.

O grupo de mulheres se preocupava mais em organizar as próprias mulheres e seus afazeres cotidianos de organização dos barracos. O grupo ligado a Pastoral da Criança se ocupava da alimentação principalmente para as crianças, utilizando “multimistura”, uma vez por dia, que era uma alimentação diferenciada para que as crianças não tivessem anemia.

Para sobreviverem muitas famílias buscavam recursos como alimentação e remédios junto a seus parentes, conhecidos, nos seus locais de origem. Alguns municípios disponibilizavam transporte nos finais de semana ou quinzenalmente para levar as pessoas para buscar o que necessitavam de alimentação e mantimentos. Muitas vezes também foram feitas coletas no município, em municípios vizinhos, nos assentamentos, era tudo reunido num local e distribuído para as famílias que tinham mais necessidade. Foi também conseguido algumas vezes através do INCRA a cesta básica do governo, que tinha alimentos básicos, mas nunca o suficiente, nos relataram os entrevistados.

No que se refere a violência dentro do acampamento, se for fazer um comparativo daquela época com agora, atualmente há bem mais constatação de desavenças. Durante o acampamento, no Buraco, só se sabe de um caso de homicídio acontecido por desavenças familiares entre cunhados, que originou a morte de um Sem Terra, nos relatou Enio.

Muitas eram as dificuldades enfrentadas, principalmente pela população, pois muitos viam os Sem Terra como vilões, marginais, não sendo bem aceitos, por acharem que essas famílias estariam dando um passo errado, invadido um grande latifúndio. Danilo ressalta:



O município de Rio Bonito do Iguaçu, nos primeiros anos do acampamento, teve dificuldades As condições necessárias pelo fato de ter dobrado a população e na época existia uma certa resistência sobre o pessoal que veio de fora, uma cultura diferente, a dúvida se daria certo ou não, então foi uma dificuldade que tivemos que enfrentar. Em algum momento dizia-se até: Rio Bonito Velho e Rio Bonito Novo, então uma coisa que gente luta e quer que seja compreendido é que dobrou a população fato esse que trouxe dificuldades, mas trouxe em seguida os benefícios e queremos trabalhar como um todo, nós sempre se colocamos a disposição da organização do município para conseguir sempre o melhor para os assentados e toda a população do município. (Danilo - Assentado)



A falta de estrutura também foi agravante, na época o município não tinha condições para ofertar tudo o que era necessário, porque simplesmente dobrou a população da noite para o dia e qualquer município nessa situação gera muitos problemas como de saneamento básico, saúde, educação e outros mais, o que demorou um pouco para organizar tudo de volta, por causa do grande volume de pessoas.

Para solucionar problemas de saúde, foi usado remédio alternativo, natural, chá de cidreira, marcela e jaguarandi, muitas pessoas sofriam, crianças morreram por falta de atendimento, até por terem vindo já desnutridas e doentes para o acampamento e não acharem recursos, foi o fato que levou todos os meses vir a falecer uma ou duas crianças, só nos primeiros dias faleceram dezesseis crianças, aí através da Pastoral da Criança que forneciam sopas com nutrientes necessários para se recuperar, foram feitos tratamentos o que aos poucos foi controlando e recuperando a saúde dessas crianças, conforme disseram os entrevistados. Verônica nos relata:



“Nós sofremos muita discriminação, falta de alimentos e remédios. O que mais me marcou foi o dia em que morreram duas crianças ao mesmo tempo. Morreram muitas crianças no acampamento. Nunca vou esquecer que houve dois velórios naquele dia. A gente passava muita fome e frio, resistia, mas as crianças eram desnutridas e não aguentavam. Morreram dezesseis crianças no início do inverno de 1996 no acampamento. Muitas famílias desistiram, mas quem ficou e lutou até o fim conseguiu a terra”.



3.2 Revendo a trajetória dos Sem Terra



A trajetória dessas famílias foi a seguinte: de dois acampamentos para a BR 158, próximo a Laranjeiras, foram até o Buraco, até o Portão e depois para os lotes de terra. O local denominado “Buraco” recebeu este nome por ser localizado numa baixada, ao lado da BR 158, encostado ao Rio Xagú e cerca de 2 km do centro do Município de Rio Bonito do Iguaçu, ficando este local dentro da Fazenda Giacomet Marodim, que atualmente é Fazenda Araupel . Constatamos a chegada no Portão, analisando os escritos abaixo e comprovamos com a Figura 7:



Era impressionante a coluna de sem terra formada por mais de doze mil pessoas, ou seja, mais de três mil famílias, em marcha na noite fria daquele inicio de inverno no Paraná. O exercito de camponeses avançava em silencio quase completo, apenas ouvia-se os ruídos surdos dos pés que tocavam o asfalto. Pelo rumo que seguia a corrente não era difícil imaginar que o destino final fosse a fazenda Giacomet, um dos imensos latifúndios do Brasil com 83.000 hectares: um absurdo de terra. Quando chegaram lá, o dia começava a nascer, a madrugada estava espessa na serração que, pouco a pouco, foi se deslocando da terra, sob o efeito da umidade do Rio Iguaçu, que corre ali bem próximo. Pois o rio de camponeses que corriam pelo asfalto noite adentro ao desembocar defronte à porteira da fazenda, pára e se espalha como as águas de uma barragem. As mulheres e crianças são logo afastadas para o fundo da represa humana, enquanto os homens tomam posição bem em frente a linha imaginaria para o eventual confronto com os jagunços da fazenda. Ante a enexistencia de reação por parte do latifúndio, os homens da terra arrebentam o cadeado, e a porteira se abre, foices, enxadas e bandeiras se erguem na avalanche incontida das esperanças nesse reencontro com a vida e o grito reprimido do povo sem terra ecoa na claridade do dia a dia: Reforma Agrária: uma luta de todos! (Sebastião Salgado, livro Terra, companhia das letras – 1997).



Figura 7- Ocupação no “Buraco”

Fonte: Sebastião Salgado



No período que permaneceram no Buraco, os acampados tiveram algumas conquistas, porém modestas, perante o objetivo principal: a conquista da terra. Foram dados os primeiros passos das negociações com o INCRA e a Giacomet que culminou depois com a desapropriação da primeira parte da área.

Conforme Monteiro (2001), outro acontecimento importante foi um ato político que contou com a presença de várias personalidades de expressão nacional como: Luís Inácio Lula da Silva, Eduardo Suplicy, José Dirceu e deputados como Adão Preto do PT/RS, Dr. Rosinha que era Deputado Estadual do PT/PR e o deputado Nereu Moura, Presidente da Comissão da Agricultura do Paraná. Os principais objetivos do ato eram chamar a atenção da opinião pública e pressionar o governo para a desapropriação da fazenda.

No período que permaneceram no Buraco, os barracos ficaram aglomerados bem próximos, conforme figura abaixo:



Figura 8 – Aglomerado de barracos no “Buraco”

Fonte Anônima



Nos relataram os entrevistados que após discussão com a direção estadual, regional e do acampamento as famílias decidiram em assembléia fazer uma grande roçada, para pressionar as autoridades e por questão de sobrevivência, pois as famílias precisavam produzir para se alimentar e ainda o local onde estavam, por ser úmido e de pouca circulação do ar, trazia graves problemas de saúde às famílias.

Fez-se então a grande roçada ao redor da ocupação e foi feita a apreensão de sete guardas do Portão (entrada da fazenda) no dia 26 de junho de 1996, por 150 Sem Terras que faziam parte da segurança do acampamento. Foram também apreendidas com os guardas e entregues várias armas de grosso calibre com munição e colete a prova de balas às autoridades de Laranjeiras do Sul, nos relatou Danilo em entrevista.

Na figura 9 podemos verificar os barracos do acampamento na entrada do Portão, sob uma densa nuvem de fumaça que pairava sobre o ar, provindas do fogo que era feito para cozinhar os alimentos e aquecer.





Figura 9 – Acampamento no Portão

Fonte anônima



A mudança do Buraco para o Portão se deu devido a necessidades emergenciais, pois o Buraco era uma área muito fria, com acúmulo de pessoas, havia muita fumaça e diversas pessoas estavam ficando com problemas de saúde, então parte dessas pessoas mudaram o acampamento para o Portão.

Nos disse Dalíria em entrevista que no Portão tinha um grupo de sentinelas que eram empregados da fazenda, era um grupo armado e o Portão era o principal acesso de entrada para a Fazenda, então as famílias Sem Terra se deslocaram até esta entrada e ali permaneceram. Essa equipe de sentinelas foi entregue a polícia e desarmados, então esse espaço foi ocupado pelas famílias acampadas.

Houve então tentativas de negociação da empresa Giacomet Marodim com o Incra. Devido a necessidade das famílias de produzirem para sua subsistência, então as famílias que ainda tinham permanecido no Buraco foram para a Sede da Fazenda Giacomet Marodim, que é hoje a Sede do Assentamento Ireno Alves dos Santos. Lá tinha estrutura de casas e armazéns, nos relatou Danilo Ferreira de Almeida.

O período e as mudanças de locais dos acampamentos ocorreram mais ou menos da seguinte forma, segundo os entrevistados:

• Na BR o acampamento permaneceu de 25 de março a 17 de abril e então foram para o Buraco;

• 26 de junho parte das famílias se dirigiram ao Portão;

• 29 de outubro quem estava no Buraco e no Portão mudaram para a Sede, para realizar as plantações.

Nos informaram os entrevistados que no acampamento não era permitido ter animais como galinhas, porcos, gado, etc, quando as famílias foram para a Sede, buscaram os animais, pois ali oferecia condições de mantê-los e alimentá-los, usufruindo também de seus benefícios, conforme o que segue:



Após a chegada na Sede as famílias foram organizadas em 90 grupos de trabalho, cada grupo tinha coordenador e vide. Foram plantadas somente as terras em cultivos, aproximadamente 2500 hectares, com soja, milho, arroz e feijão. Ao redor dos barracos foram organizadas hortas pela maioria das famílias a semente e o adubo utilizados no plantio foram cedidos pela Cooperativa dos Trabalhadores em Reforma Agrária do Centro Oeste do Estado do Paraná – COAGRI. O começo da produção foi um passo importante rumo ao objetivo principal que era a conquista da terra. Porém, enquanto não eram colhidos os primeiros frutos, muitas dificuldades se passavam por falta de dinheiro e alimentação, pois a cesta básica era insuficiente em quantidade, qualidade e itens, mas a solidariedade entre as famílias era grande, havia divisão dos alimentos e assim a luta continuava. (MONTEIRO, 2001, p.26).



O local da Sede da fazenda Giacomet está retratado em foto aérea a seguir. Na foto maior a seguir verificamos onde ficaram os barracos de lona na Sede da Fazenda e na foto menor em anexo estão as imagens casas que residiam as pessoas que moravam na fazenda e após serviu para abrigar os trabalhadores acampados.





Figura 10 - Ocupação na Fazenda Giacomet Marodim

Fonte: Secretaria Municipal de Educação



O Jornal Correio da Cantuquiriguaçu, na data de sete de agosto de 1997 relatou o acampamento dos trabalhadores sem terra, falando sobre a persistência de centenas de famílias que estavam acampadas a margem da BR entre Rio Bonito do Iguaçu e Laranjeiras do Sul há mais de um ano. Relatou também que iriam ser assentadas cerca de 900 famílias e as demais ficariam remanescentes, o que estava gerando um grande conflito entre os acampados, que queriam que todos se assentassem.

Era grande o número de acampados à beira das rodovias “Em todo o Paraná existem hoje 97 áreas ocupadas por sem-terra, com um total de nove mil famílias envolvidas, o estado está entre os que tem maior número de ocupações.” (Jornal Correio da Cantuquiriguaçu, Edição 196, folha 01, agosto de 1997.)

3.3 A Educação



Precisamos contribuir para criar a escola que é aventura, que marcha, que não tem medo do risco, por isso recusa o imobilismo. A escola em que se pensa, em que se atua, em que se cria, em que se fala, em que se ama, se adivinha, a escola que apaixonadamente diz sim à vida. Paulo Freire



A educação dentro do MST se inicia pela necessidade, que ocorre quando as famílias inteiras ocupam as terras e passam pelo problema da falta de escola para as crianças, então começam junto com as lideranças a se preocuparem em resolver essa questão. Junto com a necessidade da escola a preocupação maior é em oferecer um novo tipo de educação, diferente da oferecida nas escolas em geral, que precisa ser discutida entre os professores e a comunidade escolar juntamente com o Setor de Educação do MST. (RODRIGUES, 1999).

Grande parte dos camponeses são analfabetos, outra parte possui baixa escolaridade. A continuidade da luta exige conhecimento tanto para lidar com assuntos práticos como para financiamentos bancários e aplicação de tecnologias, também para compreender a conjuntura política, econômica e social, por isso a educação tornou-se prioridade no Movimento dentro dos acampamentos e assentamentos.

Ao fazer um plano de ocupação, o MST inclui nele a escola para as crianças e adultos. Os pais ficam mais estimulados pela certeza de que seus filhos terão onde estudar, material escolar, merenda e atenção dos professores. Se não tem escola perto do acampamento, é formado o barraco da escola, que se chama escola itinerante . Essa escola precisa ser diferente, ter professores que sejam simpatizantes da luta pela reforma agrária, trabalhar conteúdos incluindo a história do MST, ter livros contendo a experiência dos sem-terra e a relação entre professor e aluno deve constituir-se numa relação de companheirismo.

O MST propõe uma nova escola, com atendimento das pluralidades para o rompimento de práticas e concepções totalizadoras ainda presentes nas escolas públicas que existem. Esta nova escola deve estar respaldada nos sonhos e não em modelos fechados, equivocados, que, comprovadamente, tem fracassado. Isto, porque sempre propostos “de cima para baixo”, planejados em gabinetes e totalmente descolados da realidade das classes populares. (RODRIGUES, 1999).

Linhares (1995) reafirma:



O novo lugar da escola vai assentar-se num solo histórico, com ações múltiplas, vivificadas pelas memórias e narrações de professores, dos estudantes, dos que demandam pela instituição escolar publica, pelas lutas dos trabalhadores por escola, pelos movimentos políticos locais, nacionais e até internacionais, em seus embates contra as opressões.



Iraci Salete Strozake, líder da Educação no MST, destaca que é necessário articulação da escola com o trabalho, traduzindo os principais objetivos da proposta de educação do MST, conforme explicitado em seu material pedagógico, através da relação ente escola e trabalho, o MST quer, principalmente: Chamar a atenção e dar ênfase para o sentido social da escola num acampamento ou assentamento; educar para a cooperação agrícola; desenvolver o amor pelo trabalho e pelo trabalho no meio rural; provocar a necessidade de aprender e de criar; preparar as novas gerações para as mudanças sociais. (Boletim de Educação do MST, 2005, n. 4, p.11).

O MST defende em sua proposta de educação que todas as escolas de acampamentos e assentamentos sejam escolas do trabalho, onde o principio educativo fundamental esteja no trabalho.

Em Rio Bonito do Iguaçu, no ano de 1996, quando as famílias Sem Terra estavam às margens da BR, as crianças eram levadas de ônibus até as escolas mais próximas para estudarem e também havia a organização com aulas informais no próprio acampamento, conforme eu mesma pude contemplar na época, pois trabalhava como professora na Escola Municipal de Rio Bonito do Iguaçu em 1996 e tinha 26 alunos e cheguei a ter até 53 na época do acampamento no Buraco. Houve uma luta muito grande das pessoas acampadas pela conquista da escola. Caldart afirma na revista Contexto & Educação (1986, p.101):



À medida que os movimentos sociais lutam cada vez mais pelo direito à educação e à escolarização, e os seus sujeitos passam a ocupar os espaços escolares, vão aos poucos formulando um novo projeto de escola, uma nova pedagogia escolar. Essa formulação esta acontecendo nas práticas concretas de escolarização que ajudam a desenvolver e que tem como pano de fundo as exigências ou demandas das lutas sociais de que são protagonistas.



Quando as famílias se acamparam na Sede da Fazenda Giacomet Marodim, em abril de 1997, foi adaptado um galpão de máquinas da fazenda que serviu como escola. Lá foram formadas muitas salas de aula, que abrigaram cerca de 920 alunos de primeira a quarta série e Educação de Jovens e Adultos. Nesta época houve manifestação e protesto junto ao Núcleo Regional de Ensino para atender cerca de 200 alunos de quinta a oitava série, pois o estado só daria a autorização de funcionamento caso o Incra viesse a emitir a posse da terra. Rafael Borges, integrante do MST em Curitiba, disse que a escola até já poderia estar funcionando, para não haver prejuízo nas aulas, mas seria sem a autorização e em condições precárias “debaixo de lona preta”. Ele assinala que seria necessário ter as mínimas condições de infra-estutura para oferecer aos alunos. (Jornal Gazeta do Povo, 1997).

A conquista da escola veio em março de 1997, através de parceria entre Prefeitura de Rio Bonito do Iguaçu e Fundepar , que entrou com recursos financeiros e os sem terra entraram com a mão de obra, foi reformado um galpão utilizado anteriormente pela Giacomet para guardar máquinas e implementos agrícolas (Figura 11). Foram construídas 14 salas que, num primeiro momento, acolheu os alunos de anos iniciais e após passou a atender dos anos finais do Ensino Fundamental. Os estudantes do Ensino Médio eram transportados até a Sede do Município através do transporte escolar da Prefeitura, conforme eu mesma presenciei na época.



Figura 11 - Primeira escola localizada no Acampamento da Sede da Fazenda Giacomet Marodim

Fonte: Secretaria Municipal de Educação

Com o Assentamento das primeiras 900 famílias, essas foram divididas em grupos de 15 a 25 famílias, que se espalharam no interior da área nos chamados talhões, indo para seus lotes definitivos, em casas improvisadas de lona preta, tábuas ou costaneiras desdobradas pelos próprios assentados. Pequenos chiqueiros, galinheiros, enceras e potreiros também foram improvisados e se iniciou a criação de animais como galinhas, suínos, bovinos e outros. Nessa época começaram a ser organizadas as comunidades. Esses fatos eu presenciei na época e reafirmaram os entrevistados.

No ano de 1998 começou a funcionar um Colégio da Rede Estadual de Ensino (figura 12), na antiga Vila Velha da Eletrosul, oferecendo as séries finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Esse colégio veio a fechar posteriormente por iniciativa de forças políticas contrárias e foi construído novo prédio na comunidade de Centro Novo. (figura 15).



Figura 12 - Primeiro colégio Estadual, adaptado na Vila Velha (Iraci Salete Strozake)

Fonte: Secretaria Municipal de Educação.



A Escola da Vila Velha atendeu alunos de séries finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio, chamou-se Iraci Salete Strozade, em homenagem a esta militante que foi incansável na luta pela educação nos assentamentos e acampamentos. Foi uma das fundadoras do setor de educação do MST/PR e morreu em um acidente quando o ônibus em que viajava se chocou com uma carreta na BR 277 entre os municípios de Virmond e Cantagalo, Região Centro Oeste do estado, quando voltava de Laranjeiras do Sul, onde havia naquele dia concluído o curso supletivo de ensino médio e tinha sonho de cursar ensino superior no ano seguinte. (MONTEIRO, 2001);



Figura 13 - Escola adaptada para alunos de primeira a quarta série no Acampamento da APRA

Fonte: Arquivo da Secretaria Municipal de Educação



Foram conquistadas escolas nas comunidades principais, sendo as seguintes Escolas Municipais:

• Vanderlei das Neves na Sede do Assentamento Ireno Alves dos Santos.

• Chico Mendes na comunidade de Arapongas.

• Severino da Silva na comunidade de Alta Floresta

• Irmã Dulce na comunidade de Água Mineral.

• Paulo Freire inicialmente na comunidade da APRA (Associação dos Produtores da Reforma Agrária) e após na Comunidade Água Morna.

• Herbert de Souza inicialmente na comunidade de Paraíso e após na comunidade de Centro Novo.

As Escolas Estaduais conquistadas foram:

• José Alves dos Santos na Sede do Assentamento Ireno Alves dos Santos.

• Ireno Alves dos Santos na Comunidade de Arapongas

• Iraci Salete Strozake inicialmente na Vila Velha e após no Centro Novo.

• Sebastião Estevam da Costa na comunidade de Água Morna.

Verificamos imagens atuais (retratadas no ano 2006) das estruturas físicas dessas escolas, nas figuras 14 e 15.





Figura 14 - Escolas Municipais que oferecem Educação Infantil, Ensino Fundamental até a 4ª série, Ensino Especial e Educação de Jovens e Adultos

Fonte: Secretaria Municipal de Educação





Figura 15 - Escolas Estaduais, que oferecem Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série e Ensino Médio

Fonte: Secretaria Municipal de Educação



Com a conquista dessas escolas o sonho se realizou, mas é preciso continuar a luta pela melhoria cada vez mais do trabalho na educação. A escola do sonho se refere ao componente necessariamente utópico das lutas populares ou dos movimentos sociais. Sua busca é também pela reconquista do direito de sonhar, ou seja, de projetar um mundo indiferente, uma sociedade diferente, uma escola diferente. (CALDART, 1986, p. 103). O Movimento Sem terra continua participando das ações educativas, contribuindo para que não se perca a ideologia e o espírito de luta após a conquista da terra. Reafirma. (1986, p. 101)



A escola possível que se gesta desde os movimentos sociais é uma escola fundada na cultura da mudança e, ao mesmo tempo, na recuperação de valores históricos da humanidade, que o modelo de sociedade atual insiste em deixar para trás. Nesse sentido as experiências pedagógicas que surgem desse contexto são matéria-prima privilegiada para a reflexão da pratica de todos(as) que continuam acreditando que é possível (e necessário) transformar a escola, tanto quanto transformar o conjunto das relações sociais ainda dominantes entre nós.



Todos os anos são realizadas festividades referentes ao dia 17 de abril comemorando o Aniversário do Assentamento e as escolas participam com apresentações diversas para comemorar o evento, refletindo a prática através de místicas e apresentações diversas dos alunos. São realizadas místicas pelos alunos que representam situações reais que os trabalhadores vivenciaram para conquistar o Assentamento, conforme figura abaixo.





Figura 16 - Mística apresentada na Festa dos 11 anos de Conquistas

Fonte: Alex Garcia



A organização desse evento, que conta com a participação da maioria dos assentados que conquistaram a terra, fica a cargo da Coordenação do Movimento Sem Terra, das coordenações das comunidades e das Escolas da Rede Municipal e Estadual de Ensino, destacando todas as conquistas e o que ainda está se lutando para conseguir dentro do Assentamento.

3.4 Fatos, sonhos e conquistas dos Sem Terra de Rio Bonito do Iguaçu



Para se atingir os objetivos, foram diversos desafios enfrentados, entre os quais atos políticos realizados em frente a Prefeitura Municipal. No dia 01 de dezembro de 1997, acampados do Paraíso e um grupo de 900 famílias ocuparam a Prefeitura Municipal. Os atos políticos anteriores haviam sido realizados em frente ao Paço Municipal. Esse grupo reivindicava, conforme publicação no Jornal Correio do Povo de Laranjeiras do Sul, em 14/12/1997:



Uma ambulância para o novo acampamento (Paraíso), repasse de remédios por parte da Secretaria Municipal de Saúde, posto telefônico, intermediação do prefeito Leonel Schmitt junto ao Banco do Brasil e INCRA para a liberação imediata de recursos nas áreas de Fomento, alimentação e custeio das 900 famílias á assentadas, desapropriação de ais 15 mil hectares de terra, infra-estrutura nas áreas de saúde, educação, estrada e transporte para uma nova ocupação que havia sido no município, e também exigiam que o prefeito e os secretários enviasse uma carta de apoio ao trabalho realizado pelo Pároco do município solicitando sua permanência nos trabalhos da Paróquia.



No segundo dia de ocupação, o prefeito e os vereadores dialogaram e juntamente com representantes do MST, Promotoria de Justiça de Laranjeiras do Sul, polícia militar e Secretários do Município discutiram as reivindicações dos Sem Terra que tiveram os seguintes desfechos: sobre a ambulância o Prefeito disse que era uma responsabilidade do Governo do Estado, mas já haviam agendado uma reunião com o Secretário de Saúde do Estado. Quanto a distribuição de medicamentos, o Secretário de Saúde do Município alegou que existem alguns remédios que só podem ser liberados por médicos e que a outra parte está sendo repassada. Ficou acertado a possibilidade de contratar um médico exclusivo para os acampados. Nas reivindicações ligadas ao INCRA, o Prefeito prometeu se empenhar e afirmou que já tinha uma audiência marcada com o INCRA em Curitiba. Quanto ao padre o prefeito não quis se manifestar. (MONTEIRO, 2001).

Neste encontro foi reforçada a importância do diálogo, foi acertado que quando houvesse necessidade, as soluções seriam encontradas em conjunto, em uma mesa redonda de conversações. Como os resultados da audiência não foram os esperados, as ocupações continuaram. (MONTEIRO, 2001).

Em 04 de dezembro, cerca de 400 famílias ocuparam as dependências do Banco do Brasil em Laranjeiras do Sul, por não ter agência em Rio Bonito do Iguaçu, reivindicando repasse de recursos às famílias assentadas e recursos para reconstruir a unidade da COAGRI em Laranjeiras do Sul, que tinha sido destruída a alguns dias por vendaval. No dia seguinte, pelo mesmo motivo, foi ocupada também a Agência Banestado de Laranjeiras do Sul, e essa ocupação durou todo o dia e o banco foi desocupado no final da tarde, quando parte das reivindicações foram atendidas. (MONTEIRO, 2001).

Esses e muitos outros fatos marcaram para sempre a vida dos Acampados, histórias que emocionam, que mostram a persistência, a garra, a luta. Entre estes fatos, destacamos alguns que estão citados abaixo, por trazerem presente as dificuldades de sobrevivência das famílias durante o acampamento, que foram citadas pelos entrevistados:



O fato que mais me marcou, foi um dia que um homem estava trabalhando de guarda do grupo e passou um bichinho e ele atirou, todo mundo se revoltou pelo susto tomado pelas pessoas por acharem ser uma invasão aos barracos feitos por pistoleiros. Fiquei com muito medo de morrer ou matarem algum filho meu, tive até vontade de desistir. (Veronica – Água Mineral)



Foram vários os momentos marcantes, mas além da ocupação, que é um dos principal fato, teve mais um que me chamou atenção que foi a morte do companheiro Ireno Alves, porque ele era o principal coordenador nosso, ele faleceu em um acidente de carro no dia 25 de dezembro, estava indo visitar o pai e aconteceu o acidente, ele era a pessoa que unia os grupos, porque existia muito atrito entre os componentes do grupo e ele chegava com muita conversa sempre resolvia tudo, aí quando ele faleceu, cheguei a pensar se nós iríamos dar conta, dobrou minhas responsabilidades, como fazer com que as pessoas cumprissem os regulamentos, sendo que se não cumprissem eram expulsas e mandadas embora e acabou sendo minha responsabilidade, o que não era fácil. (Danilo – Sede)



Nunca vou esquecer o momento que por falta de assistência médica, até mesmo um pouco de água potável, duas crianças no mesmo dia vieram a falecer, sendo as duas veladas juntas em barraco de lona. (Enio – Arapongas)



A gente tinha como alerta um foguete, se acontecesse dos guardas chegar. Se o foguete estourasse a gente tinha que dar um jeito com as crianças de se agasalhar. Ai na terceira noite estourou, não foi um foguete, mas a noite, mais de três da manha, a gente tava dormindo, acho que foi um cara da segurança que dormiu e acabou dando um tiro para cima, que acabou assustando todo mundo. Se saia fora do barraco, levava trompada de gente correndo, se ficava dentro, não tinha proteção, ficamos com muito medo.(Dalíria – Alta Floresta)



O dia do decreto da desapropriação. Em 16 de Janeiro de 1.996 teve um fato que marcou todas as pessoas a morte de Vanderlei das Neves, por funcionários da empresa na época e em seguida saiu o decreto de desapropriação, então um dia clima de velório e no outro de comemoração, foi o que mais me marcou. (Sérgio – Centro Novo).



Complementando a citação acima “Era 16 de janeiro de 1997, um dia de sol, um grupo estava trabalhando dentro da área em negociação quando foram vítimas de emboscada de 10 pistoleiros e seguranças da fazenda. Morreram o jovem Vanderlei das Neves, 16 anos, e José Alves dos Santos, 34 anos”. (Assentamento Ireno Alves dos Santos – Três Anos Fazendo História, 1999). Segundo depoimentos de acampados que estavam juntos e conseguiram fugir, os sem terra após serem atingidos por balas foram arrastados 100 metros para dentro da mata. Foram encontrados nos corpos projéteis de pistola 357 e no local do crime havia cápsulas de Fuzil AR15. a partir deste acontecimento a Giacomet muda de nome e passa a se chamar Araupel. Essa estratégia se deu por que o assassinado dos Sem Terras repercutiu em todo o país e no exterior. Isso acabou denegrindo a imagem da empresa que exportava celulose . (MONTEIRO, 2001, p. 27).

Também no dia 16 de janeiro de 1997 saiu o Decreto de desapropriação de 16.800 hectares de terra. Tinha no início do acampamento três mil e quarenta e oito famílias cadastradas, mas no final não era mais esse número, pois muitas famílias foram desistindo. O INCRA fez um cadastramento de todas as famílias existentes. Tinha também adotado alguns critérios de que famílias tinham direito de serem assentadas. O próprio INCRA fez uma seleção de famílias através de critérios internos, mas os assentados também ajudaram a contribuir com esses critérios, que contemplava pessoas que nunca tinham se assentado, que tinham bom relacionamento, que participavam das discussões e que mereciam ser contempladas com a terra. (MONTEIRO, 2001)

Havia, nesse período, três questões importantes acontecendo ao mesmo tempo: a desapropriação de parte da área, o assassinato dos Sem Terra e quem ficaria de fora da primeira turma a ser assentada, uma vez que com a quantidade desapropriada daria para assentar apenas 900 famílias. A luta não parava por ali, era preciso ajudar os excedentes.

Um dos critérios adotados pela coordenação na época é que não concordavam com o assentamento se todas as famílias não fossem assentadas, demonstrando assim companheirismo e respeito pela luta coletiva, mas como saiu o decreto de desapropriação e as novecentas famílias tinham que ir já para os lotes, houve uma discussão interna e as famílias que fossem contempladas iriam contribuir com as excedentes, inclusive repartindo os primeiros créditos que era para alimentação e ferramentas com as que tinham ficado para o segundo momento. (MONTEIRO, 2001).

O INCRA deu a liberdade de escolha dos lotes pelos grupos. Dividiu os talhões. Puderam escolher entre área de capoeira e mecanizada. Quando houve área com vários grupos interessados foi instituído o critério de sorteio. Assim, foram para os lotes de terra, mas muitos sonhos ainda esperam realizar:



O meu sonho é ter a minha casa feita de madeira, já tenho mas é de material e pequena, mesmo já sendo difícil conseguir madeira por aqui espero ainda poder realizar meu sonho. (Veronica)



Tem muitas coisas ainda para a gente conseguir. Melhorar a situação financeira, buscar ter mais privilégio desde em festividades e ter mais dignidade na vida das pessoas que aqui vivem.(Sérgio)



Nós sempre sonhamos em ter um assentamento que servisse de modelo, modelo que a gente fala é modelo de produção, organização, trabalhar a cultura e a produção e isso a gente não conseguiu. Várias famílias acabaram desistindo foram embora, veio outros no processo e a gente quer transformar esse sonho de não só ter a terra, mas ter e ser modelo de qualidade de vida e isso ainda não alcançamos.(Enio)



Tem bastante coisa que falta, ainda sonho em dar estudo pra todos meus filhos e acomodar todos eles, é isso que espero. (Dalíria)



Tem várias coisas que ainda desejamos conquistar, como ter todas as estradas cascalhadas, energia para os que ainda não tem, acesso de crédito a todos, regularizar a documentação dos lotes de todos que trocaram ou mudaram de lugar, e também uma outra luta que estamos enfrentando a algum tempo o desafio da universidade popular, que é trazer paro o assentamento, mas especifico na Vila Velha, que é um local centralizado, já estamos negociando com o governo federal através da universidade do Sem Terra de São Paulo, para lá montarmos os cursos de direito, agronomia, engenharia e tudo mais.(Danilo)



Não se abriu mão pelas coordenações de que as famílias excedentes fossem assentadas na mesma área, então cerca de um ano depois saiu a desapropriação de mais dez mil hectares de terra também na Fazenda Giacomet Marodim, que foi suficiente para assentar as famílias excedentes da época anterior. Por isso no Município de Rio Bonito do Iguaçu existem dois assentamento que estão ligados, com mil e quinhentas famílias, que é o Assentamento Ireno Alves dos Santos com 934 famílias e o Assentamento Marcos Freire com 574 famílias, que têm dois momentos de desapropriação das áreas da Fazenda Giacomet Marodim.

Algumas conquistas que os antigos acampados, hoje assentados, conseguiram através da luta, do esforço e da persistência:



A primeira conquista foi à terra que conseguimos, que era nosso grande objetivo. Muita gente pensava na organização, na luta e na questão geral das coisas, mas quando você vai se envolvendo vê que além da terra, você vai ter o crédito, que acho que foi um ponto que somou para todos. Teve também as conquistas das escolas e da produção de milho, arroz, feijão, leite, carne e pode assim estar comercializando, que no contexto geral é o resultado das conquista e da luta que a gente fez, mas que ainda precisamos melhorar em várias questões. (Sérgio – Centro Novo).



Consegui ter as coisas que queria, como minhas vacas de leite, minhas coisas de dentro de casa, que tinha apenas o fogão e o colchão para dormir e muitas outras conquistas ainda consegui. (Veronica – Água Mineral).



Foram muitas conquistas. Um pedaço de terra em primeiro lugar, recursos, amizades e formação das comunidades. (Enio – Arapongas).



Acho que além da conquista da terra, foi conseguida em primeiro lugar a dignidade das famílias, que é ter condição de trabalho, educação e vida justa, teve também a conquista das escolas, comunidades, energia elétrica, são incalculáveis os ganhos que teve.(Danilo – Sede)



Após a conquista da terra, muitas coisas se perderam, com a preocupação em principal em produzir, plantar, colher. Foi deixado de lado a garra e a preocupação das pessoas com as situações e faltou união para resolver as dificuldades. Entretanto, muito dessa etapa de vida também ficou gravado na vida das pessoas, conforme relatos a seguir:



Foi um grande sofrimento nossa chegada, estava grávida e tinha medo pois tinha onça, tigre, sofria também para fazer o pré-natal, mas não desistia era bem certinha nisso. Um fato que aconteceu que hoje lembro e acabo até rindo, foi quando meu marido quis que eu fosse dormir no barraco de minha irmã por achar ser mais seguro, acabei tendo que dormir no chão sendo que nosso barraco era alto e se tivesse aparecido algum bicho poderia ter chegado até à porta. Também o sofrimento que tivemos na chegada em nossa tão conquistada terra, derrubamos taquaras, abrimos caminho, foi difícil, mas vejo hoje que tudo compensou e valeu a pena a luta e a persistência. Não me arrependo de nada. (Veronica).



Verificamos no site da Prefeitura Municipal de Rio Bonito do Iguaçu (www.riobonito.pr.gov.br) que a criação dos dois assentamentos contribuiu para o desenvolvimento da economia de Rio Bonito do Iguaçu. Atualmente os trabalhadores assentados geram mais de 10 mil empregos direitos e indiretos na cidade. Para o coordenador estadual do MST, Laureci Leal, isso mostra como a Reforma Agrária tem capacidade de resolver os problemas sociais.

Na mesma data do aniversário do Massacre de Eldorados do Carajás, 17 de abril de 1996, os assentados de Rio Bonito do Iguaçu homenageiam os 19 trabalhadores Sem Terra mortos no Pará em 1996, e celebram as vitórias de mais uma década de luta da maior ocupação do Sul do Brasil.

Durante os 11 anos, as famílias conquistaram muitas coisas, entre elas se destacam:

• 13 escolas, de educação infantil, ensino fundamental e médio, oferecendo também educação de jovens e adultos e ensino especial, que funcionam nos dois assentamentos, com aproximadamente 2.500 alunos.

• A cada ano os assentamentos produzem em média 500 mil sacas de milho, 50 mil sacas de soja, 50 mil sacas de feijão, 10 mil sacas de arroz, 24 mil litros de leite por dia, chegando a 880 mil litros por ano.

• Os trabalhadores criam em média 20 mil animais entre: suínos, bovinos e aves, para comercialização e consumo próprio. (www.riobonito.pr.gov.br).

Segundo a assentada Kelli de Fátima Scarsi, o início a luta foi difícil, mas a esperança de conseguir o assentamento não permitiu que as famílias desistissem. “A necessidade que passávamos era muito grande. Às vezes, não tínhamos o que comer. Nos agarrávamos na esperança de ter um pedaço de terra, e isso nos deu força para chegar até aqui”, comemora. (Informações coletadas do site www.riobonito.pr.gov.br.Vemos no mapa a seguir como ficaram os Assentamentos conquistados, cada subdivisão menor simboliza um lote de terra que uma família conquistou, sendo 900 famílias assentadas no Assentamento Ireno Alves dos Santos e 601 no Assentamento Marcos Freire.



Figura 17 - Mapa dos Assentamentos Ireno Alves dos Santos e Marcos Freire

Fonte: Departamento de Engenharia da Prefeitura Municipal de Rio Bonito do Iguaçu



Aconteceu o 4º Congresso do Movimento Sem Terra em Brasília, em agosto de 2000, onde se reuniram mais de 10 mil agricultores membros do Movimento, que durante uma semana analisaram as ações executadas nos últimos anos e discutiram as prioridades para o futuro. O tema escolhido foi "Por um Brasil sem latifúndios".

Entre os principais objetivos deste encontro estava pautada a luta no campo e a definição das prioridades para o próximo século. Abaixo seguem imagens deste congresso e dez importantes compromissos firmados:



Figura 18 – Compromissos assumidos no 4º Congresso do MST (Agosto de 2000) Brasília

Fonte: Arquivo MST





Os Assentados e Assentadas que residem nos Assentamentos Ireno Alves dos Santos e Marcos Freire mostram luta continua e a união por mais conquistas é demonstrada na foto 19, a seguir:



Foto 19 – 5º Congresso Nacional do MST em Brasília, com membros do MST de Rio Bonito do Iguaçu em junho 2007

Fonte: Arquivo do MST



Com o tema “Reforma Agrária: por justiça social e soberania popular, mais de 17.000 delegados de Assentamentos e Acampamentos de 24 estados brasileiros participaram do 5º Congresso, o maior da história do Movimento Sem Terra, de 11 a 15 de junho de 2007.

Neste congresso participaram cerca de 40 delegados dos Assentamentos Ireno Alves dos Santos e Marcos Freire de Rio Bonito do Iguaçu, demonstrando que conquistaram a terra, entretanto ainda buscam mais direitos, mas a esperança e a luta por mais conquistas continua.



CONSIDERAÇÕES FINAIS



Compreendi através da pesquisa realizada neste trabalho como se deu o processo de luta pela terra nos Acampamento do MST em Rio Bonito do Iguaçu, que iniciaram-se às margens da BR 158 em março de 1996, mudou-se para o Buraco, foi até o Portão da Fazenda Giacomet Marodim e instalou-se na Sede da Fazenda, conquistando assim os Assentamentos Ireno Alves dos Santos e após também o Assentamento Marcos Freire.

Foram muitos anos de lutas e desafios que marcaram para sempre a vida de mais de dez mil pessoas, cerca de 3.048 famílias, que vieram de mais de 62 municípios diferentes e buscavam conquistar o direito a terra para sustento de suas famílias.

Essas famílias faziam parte do Movimento Sem Terra, então investiguei a história do surgimento do MST, resgatando sua história e registrando os principais desafios que os trabalhadores sem terra que fazem parte do MST enfrentaram até conseguirem a posse da terra em Rio Bonito do Iguaçu para formarem os dois Assentamentos.

A luta pela reforma agrária em Rio Bonito do Iguaçu mostrou que a união de um povo em busca de seus objetivos, com seriedade, persistência e honestidade faz com que se consiga conquistá-los. Essa foi uma grande conquista, pois os Assentamentos Ireno Alves dos Santos e Marcos Freire são considerados um dos maiores assentamentos da América Latina, e essa vitória serviu como exemplo para muitos povos, que viram nessa conquista motivos para levar adiante seus sonhos e aspirações.

Infelizmente, em nosso país, são poucas as lideranças políticas que acreditam na Reforma Agrária, a maioria fala, mas não tem ação nenhuma que venha a beneficiar o povo, dependendo da união através dos Movimentos Sociais para se assentar. A reforma agrária só prejudica a uma minoria de insensíveis, que deseja manter o povo escravo e a nação submetida a um miserável padrão de vida.

A sobrevivência das pessoas foi a principal questão a ser resolvida durante o período de acampamento, justificando o fato das famílias centralizarem seus interesses na garantia da posse da terra. Porém, isso não significa que neste processo estejam longe de questões de ordem política e ideológica.

Chão e Terra são sinônimos de vida

E de esperança numa causa pra lutar.

Conquistando dia a dia, changa e lida,

Dignidade no brilho de cada olhar.

Lonas pretas, que bordam beiras de estrada,

São marcos de uma busca e de consciência ...

A desafiar os que oprimem à mão armada

E ainda fazem o remate da querência.

"Ocupar" a vastidão do solo fértil...

Que no horizonte se perde sem semeadura.

"Resistir" a fúria insana de um projétil

Pra plantar e "produzir" nova cultura.

Tanta gente anda campeando a sua sina

Em pago alheio, deserdado sem um norte

A luz povoeira ilusão que lhes ensina

Longe do campo - a execução é como a morte.

Quem tem consciência tem querência e tem raiz

Sabe que a luta se refaz a cada dia.

Todo o homem sempre sonha em ser feliz

Semeando vida pra colher com alegria.

(Música: Chão e Terra – Alex Della Méa)

Através das entrevistas foi possível perceber que as pessoas tiveram em comum a luta pela sobrevivência, marcada pela intensa migração em busca de oportunidades de trabalho, se integrando ao MST e passando a ocupar a beira da BR 158, esperando o melhor momento para ocupar a Fazenda Giacomet Marodim. Tinham muitas carências em seus barracos improvisados, dividiam medo, incerteza, miséria na luta pelo direito à terra, criando estratégias para enfrentarem todas essas dificuldades e resistindo, impulsionados pela esperança de conseguir a terra, e esse dia chegou e ficou marcado para sempre no coração e na memória dos que persistiram até o fim e alcançaram seus objetivos e também muitos desistiram por um ou outro motivo e não atingiram seu ideal, que foi a desapropriação da Fazenda e a conquista dos Grandes dois Assentamentos: Ireno Alves dos Santos e Marcos Freire.







REFERÊNCIAS

BETTO, Frei. A igreja e os movimentos sociais. Novembro de 2002 (Artigo).

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988.

CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. 3. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2004.

CORREIO do Povo. Jornal. 14 de dezembro de 1997. Laranjeiras do Sul.

___. A Formação do MST no Brasil. São Paulo, Ed.Vozes, 2000.

___. Gênese e desenvolvimento do MST. Caderno de Formação nº 30. Gráfica e Editora Peres, 1998.

___. Questão agrária, pesquisa e MST. São Paulo, Cortez, 2001.

GRZYBOWSKI, Cândido. Caminhos e descaminhos dos Movimentos Sociais no Campo. Vozes: Petrópolis, 1991.

INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Plano Nacional de Reforma Agrária. Brasília, 2003.

Jornal. Cantuquiriguaçu. Agosto. 1997.

LINHARES, Célia Frazão Soares. A escola e seus profissionais: tradições e contradições. 2.ed. Rio de Janeiro: Agir, 1997.

MONTEIRO, Gilmar. O maior assentamento de sem terra do Brasil num dos maiores latifúndios do Paraná. Monografia. Unijuí/RS, 2001.

MORISSAWA, Mitsue. A história da luta pela terra e o MST. Editora Expressão Popular, 2001.

MST. Caderno de Formação nº 36. O Brasil precisa de reforma agrária: As propostas dos movimentos e as promessas e compromissos do governo Lula. Secretaria Nacional – MST. São Paulo, SP, Março de 2005.

NEVES, José Luís. Pesquisa Qualitativa – Características, Usos e Possibilidades. Caderno de Pesquisas em Administração. V. 1, No 3, 2o sem/1996.

Revista de Educação da América Latina e Caribe. Contexto & Educação. Universidade de Ijuí. V.1, n.1, (1986) -,Artigo de Roseli Salete Caldart. Ijuí: Ed. Unijuí, 1986.

RODRIGUES, Marli de Fátima. Da luta pela educação à educação na luta: Memórias, narrações e Projetos dos Assentamentos e Professores do MST na Fazenda Giacometi. 1999. Itaguaí. Niterói (Dissertação de Mestrado).

SALGADO, Sebastião. Terra. Introdução de José Saramago. Versos de Chico Buarque. São Paulo: Companhia das Letras, 1997: 141-42.

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. Apostila da História de Rio Bonito do Iguaçu. Rio Bonito do Iguaçu, 1998.

STEDILE, João Pedro; FERNANDES Bernardo Mançano. Brava Gente: a trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999.

TORRENS, João Carlos Sampaio. Alianças e Conflitos na Mediação Política da Luta pela Terra no Paraná. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. - 1978/90. Itaguaí. Rio de Janeiro, 1992. (Dissertação de Mestrado).

www.http://pt.wikipedia.org/wiki/Materialismo_dialetico. www.studium.iar.unicamp.br/um/pg5.htm

www.mst.org.br acessado em 15/06/2007.

www.riobonito.pr.gov.br acessado em 03/10/2007































ANEXOS

























ANEXO 1 - ENTREVISTAS



PRIMEIRA ENTREVISTA



Nome, Data de Nascimento, Estado civil, Onde reside.

1. Por que você foi fazer parte do Acampamento do Movimento Sem terra ?

2. Fale um pouco da organização dentro do acampamento.

3. Quais as principais dificuldades que enfrentaram em Rio Bonito do Iguaçu para se conseguir a posse da terra?

4. O que foi feito para vencer essas dificuldades?

5. Qual o momento que mais te marcou e por quê.

6. Quais as principais conquistas que conseguiram de 1996 até agora?

7. O que ainda não conseguiu e espera alcançar dentro do Assentamento?

8. Observações (alguma coisa que não foi perguntada e acha que deve registrar).



SEGUNDA ENTREVISTA



1. Antes da ocupação, como foi a organização para ocupar, de onde partiram as idéias?

2. Qual a trajetória dos acampamentos (br, buraco, portão, terras?

3. como e porque aconteceu as mudanças de acampamento.

4. Como foi no dia da ocupação, que sentiam as pessoas?

5. Tinha crianças, jovens, idosos, como se organizavam, o que faziam para passar o dia?

6. Quais as tarefas, como era dividida?

7. Ocorria violencia, assassinato, mortes? por que, de que forma? compare a violencia daquela época com agora.

8. Havia produção? o que produziam?

9. De que sobreviviam todas essas pessoas?

10. Como ocorreu a liberação da terra?

11. Como foi dividida a terra? quantas famílias? e quem não ganhou, o que aconteceu?

RESPOSTAS DAS ENTREVISTAS



ENTREVISTA COM SÉRGIO KNOPF

Estado civil: Casado, Data de nascimento: 06-02-68, reside no Quatro Encruzo – Assentamento Marcos Freire.

Tinha a prioridade de conquistar um pedaço de chão, não tinha verba para comprar e decidi ir a luta, onde chegamos ao acampamento hoje Ireno Alves.

Foi montado grupos, onde tinha coordenadores, estrutura, segurança que dava acesso e abrangia todas as famílias.

A gente era visto como os vilões da história, não sendo bem aceito, por acharem que essas famílias estariam dando um passo errado invadido um grande latifúndio, muitas pessoas viam como sendo impossível conseguir esse pedaço de terra.

Tinha muita organização, trabalho em grupo e muita união entre as famílias. O que mais me marcou foi o momento que por falta de assistência médica, até mesmo um pouco de água potável, duas crianças no mesmo dia vieram a falecer, sendo as duas veladas juntas em barraco de lona.

Foram muitas conquistas. Um pedaço de terra em primeiro lugar, recursos, amizades e formação das comunidades.

Tem muitas coisas ainda para a gente conseguir. Melhorar a situação financeira, buscar ter mais privilégio desde em festividades e ter mais dignidade na vida das pessoas que aqui vivem.

Ë importante e a gente não vêem muito hoje o que acabou sendo deixado de lado foi a garra e a preocupação das pessoas com as situações e de não se unir para resolver, temos que estar atento a isso.



ENTREVISTA COM ENIO NEODI PASCOALIN

Estado civil: Casado, Data de Nascimento: 15-10-72, reside na Comunidade de Arapongas, Grupo 24. Assentamento Ireno Aves dos Santos.

PRIMEIRA ENTREVISTA

Nós na época de 1993 e 1994, morávamos em Concórdia SC, nessa região na época houve a construção de uma barragem e todo pessoal daquela região veio morar aqui no Paraná, os quais foram reassentados por essas regiões e eu acabei vindo morar também por aqui com alguns parentes. Foi aqui no Paraná que ouvi falar nessa organização, no estado de SC nunca tínhamos ouvido falar do assunto, começamos então participar de encontros e reuniões para entendermos mais sobre o movimento. Houve então um cadastramento para as famílias que não possuíam terra e como nosso objetivo era ter um pedaço de terra para trabalhar, foi a partir desta data que se incluímos no movimento.

Pra mim particularmente tem sido uma das coisas que tem me emocionado tanto o lado humano, como social, a forma que era organizada as famílias, tinha uma infra-estrutura de organização, tinha pessoas responsáveis na área de saúde, da educação, na segurança, as famílias sempre trabalhavam em grupo. Uma coisa que me marcou profundamente é que nós na época tínhamos em torno de 3.048 famílias, que no total somava quase 15.000 pessoas, de 60 municípios, 16 religiões diferentes, cada qual com sua cultura foi uma experiência muito positiva.

Foi a falta de estrutura que na época o município não tinha para ofertar porque simplesmente dobrou a população da noite para o dia e qualquer município nessa situação gera muitos problemas como de saneamento básico, saúde, educação e outros mais o que demorou um pouco para organizar tudo de volta, por causa do grande volume de pessoas.

O principal fator para vencer as dificuldades foi à forma de organização que teve na época.

O dia do decreto da desapropriação me marcou para sempre. Em 16 de Janeiro de 1.996 teve um fato que marcou todas as pessoas a morte de Vanderlei das Neves, por funcionários da empresa na época e no dia 17 seguinte saiu o decreto de desapropriação, então um dia clima de velório e no outro de comemoração, foi o que mais me marcou.

Acho que além da conquista da terra, foi conseguida em primeiro lugar a dignidade das famílias, que é ter condição de trabalho, educação e vida justa, teve também a conquista das escolas, comunidades, energia elétrica, são incalculáveis os ganhos que teve.

Nós sempre sonhamos em ter um assentamento que servisse de modelo, modelo que a gente fala é modelo de produção, organização, trabalhar a cultura e a produção e isso a gente não conseguiu. Várias famílias acabaram desistindo foram embora, veio outros no processo e a gente quer transformar esse sonho de não só ter a terra, mas ter e ser modelo de qualidade de vida e isso ainda não alcançamos.

No meu ponto de vista o município de Rio Bonito do Iguaçu com a nossa vinda nos primeiros anos ele sofreu para nos dar as condições necessárias pelo fato de ter dobrado a população e na época existia uma certa resistência sobre o pessoal que veio de fora, uma cultura diferente, a dúvida se daria certo ou não, então foi uma dificuldade que tivemos que enfrentar. Em algum momento dizia-se até: Rio Bonito velho e Rio Bonito novo, então uma coisa que gente luta e quer que seja compreendido é que dobrou a população fato esse que trouxe dificuldades, mas trouxe em seguida os benefícios e queremos trabalhar como um todo, nós sempre se colocamos a disposição da organização do município para conseguir sempre o melhor para os assentados e toda a população do município.

SEGUNDA ENTREVISTA

O pensamento em vir para a BR em 1996 organizando um acampamento de trabalhadores rurais sem terra partiu inicialmente de cadastramento das famílias, organizado pelos sindicatos rurais. Essas famílias demonstravam a intenção de voltar para a agricultura e conseguir terras para sobreviver.

Na chegada na BR para se acamparem tinha famílias que sentiam bastante medo, muito receio, pois viam a Fazenda Giacomet com difícil acesso, que tinha milícias armadas, que já havia tido outras tentativas de ocupação sem sucesso anteriormente, em meados dos anos 80. Algumas famílias já haviam participado de outros acampamentos, tinham sido despejadas, se sentiam bastante apreensivos, com medo. Mas tinha também muita gente alegre, que sentiam que estavam dando os primeiros passos para conquistar uma nova vida, produzir e ter uma vida digna. Os depoimentos eram muito diferentes, muitas e variadas demonstrações de emoções

Nesse cadastro constava dados dos membros da família e se eram procedentes da agricultura. Tambem perguntavam para as familias se tinham intenção de fazer parte do MST e de se unirem para ocupar um acampamento de sem terras.

Muitos integrantes já participavam de outros movimentos como o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) e também de organizações sindicais de muitos lugares.

Incentivaram a formação desse acampamento os presidentes de sindicatos da região e principalmente o Senhor Jaime Callegari, que era coordenador do MST em nível estadual.

Chegaram a um número de três mil famílias nesse acampamento, que segundo levantamento realizado pela coordenadoria geral da época, vieram de sessenta e dois municípios diferentes, tinha dezesseis tipos de religiões e culturas das mais variadas. Já tinha dois acampamentos pequenos formados, um em Saudades do Iguaçu e outro em Laranjeiras do Sul, que se reuniram e formaram um grande acampamento.

O início da vinda das famílias para o acampamento foi no dia 25 de março até o dia 16 de abril de 1996 a noite foi o período de reunir famílias, vinha gente de diversas regiões e todos os que chegavam era cadastrados e aceitos. Mas era discutido a forma de organização, o comportamento, tinha as regras, as normas e as famílias que achavam que se enquadravam nessas regras eram aceitas.

Foram organizados grupos de até trinta famílias cada. Esses grupos eram organizados de diferentes formas: por região, por município, por conhecidos, etc. De cada grupo se tirava um coordenador de grupo, que era alguém que tinha a tarefa de organizar e informar o coordenador geral. Alguém responsável pela infra-estrutura necessária que o acampamento tinha que ter (saúde, educação, alimentação).

Todas as atividades eram divididas por brigadas que envolviam a segurança do acampamento, a saúde, a educação e a alimentação. Os grupos então tinham tarefas, e o coordenador coordenava tudo. Na época tinha cerca de noventa e seis grupos, com cerca de trinta famílias cada grupo, variando uns com mais, outros com menos famílias.

Ainda permanece a cultura de denominar o nome do assentamento e da brigada que pertencem.

A vida no dia a dia era dividida por tarefas e por setores. As crianças se envolviam com educação. Mesmo não tendo estrutura necessárias, foi conseguido junto a defesa civil construir barracões com lona e foram construídas escolas de lona, onde as crianças realizavam tarefas escolares.

As pessoas ligadas a coordenações, que eram os coordenadores de grupo e coordenadores gerais tinham tarefas de organizar, participavam de reuniões, palestras e discussões referentes ao acampamento, e quais as estratégias e passos seguintes a serem tomados. As pessoas ligadas a área de saúde discutiam sobre saúde, e assim sucessivamente.

Fizeram hortas comunitárias, onde produziam temperos, verduras e hortaliças que nasciam rápido. Como era em abril, não era época de produção, pois nessa região se planta nas lavouras a partir de agosto e setembro, então não se produzia nessa época.

Tinha o grupo de mulheres que se preocupavam em organizar as mulheres, tinha o grupo ligado a Pastoral da Criança, que se ocupavam da organização dos barracos e faziam alimentação principalmente para todas as crianças com “multimistura”, uma vez por dia, que era uma alimentação diferenciada para que as crianças não tivessem anemia.

Para sobreviverem muitas famílias buscavam recursos como alimentação e remédios junto a seus parentes, conhecidos, nos seus locais de origem. Alguns municípios disponibilizavam transporte nos finais de semana ou quinzenalmente para levar as pessoas para buscar o que necessitavam de alimentação e mantimentos. Muitas vezes também eram feito coletas no município, em municípios vizinhos, nos assentamentos, era tudo reunido num local e distribuído para as famílias que tinham mais necessidade. Foi também conseguido algumas vezes através do INCRA a cesta básica do governo, que tinha alimentos básicos.

No que se refere a violência dentro do acampamento, se for fazer um comparativo daquela época com agora, atualmente há bem mais constatação de desavenças. Durante o acampamento, no buraco, só se sabe de um caso de homicídio acontecido por desavenças familiares entre cunhados, que originou a morte de um sem terra.

A trajetória dessas famílias foi de dois acampamentos para a BR 158, próximo a Laranjeiras, foram até o Buraco, até o Portão e depois para os lotes de terra. O local denominado “Buraco” recebeu este nome por ser localizado numa baixada, ao lado da BR 158, encostado ao Rio Xagú e cerca de 2 km do Centro do Município de Rio Bonito do Iguaçu, ficando este local dentro da Fazenda Araupel.

A mudança do Buraco para o Portão se deu devido a necessidades emergenciais, pois o Buraco era uma área muito fria, com muito acúmulo de pessoas, havia muita fumaça e diversas pessoas estavam ficando com problemas de saúde, então parte dessas pessoas mudaram o acampamento para o Portão.

No Portão tinha um grupo de sentinelas que eram empregados da fazenda, era um grupo armado e o Portão era o principal acesso de entrada para a Fazenda, então as famílias sem terra se deslocaram até esta entrada e ali permaneceram. Essa equipe de sentinelas foram entregues a polícia e desarmados, então esse espaço foi ocupado pelas famílias acampadas.

Houve então tentativas de negociação da empresa Giacomet Marodin com o Incra. Devido a necessidade das famílias de produzirem para sua subsistência, então as famílias que ainda tinham permanecido no Buraco foram para a Sede da Fazenda Giacomet Marodin, que é hoje a Sede do Assentamento Ireno Alves dos Santos. Lá tinha estrutura de casas e armazéns.

A trajetória dos acampamento ocorreram mais ou menos da seguinte forma: na BR o acampamento permaneceu de 25 de março a 17 de abril e então foram para o Buraco. Em agosto uma parte das famílias se dirigiram ao Portão e em setembro e outubro de 1996, quem estava no Buraco mudou para a Sede, para realizar as plantações. Como no acampamento não era permitido ter animais como galinhas, porcos, gado, etc, quando as famílias foram para a Sede, buscaram os animais, pois ali oferecia condições de mantê-los e alimentá-los, usufruindo também de seus benefícios.

Houve a morte de dois sem terra, que são Vanderlei das Neves e José Alves dos Santos, que conforme relato dos companheiros, foram assassinados por guardas da fazenda. Teve muitos casos de morte natural de pessoas idosas e morte de crianças que vieram dos locais de origem com desnutrição e a gripe causou óbito.

No dia 16 de janeiro de 1997 saiu o Decreto de desapropriação de dezessete mil hectares de terra. Tinha no inicio acampamento três mil e quarenta e oito famílias cadastradas, mas no final não era mais esse número, pois muitas famílias foram desistindo. O INCRA fez um cadastramento de todas as famílias existentes. Tinha também adotado alguns critérios de que famílias tinham direito de serem assentadas. O próprio INCRA fez uma seleção de famílias através de critérios internos, mas os assentados também ajudaram a contribuir com esses critérios, que contemplava pessoas que nunca tinham se assentado, que tinham bom relacionamento, que participavam das discussões e que mereciam ser contempladas com a terra.

Tinha, nessa época mais de mil e quinhentas famílias, mas só novecentas foram assentadas, não porque essas famílias não tinham direito, mas porque a área não contemplava assentar todos de imediato. Um dos critérios adotados pela coordenação na época é que não concordavam com o assentamento se todas as famílias não fossem assentadas, demonstrando assim companheirismo e respeito pela luta coletiva, mas como saiu o decreto de desapropriação e as novecentas famílias tinham que ir já para os lotes, houve uma discussão interna e as famílias que fossem contempladas iriam contribuir com as excedentes, inclusive repartindo os primeiros créditos que era para alimentação e ferramentas com as que tinham ficado para o segundo momento.

O INCRA deu a liberdade de escolha dos lotes pelos grupos. Dividiu os talhões. Puderam escolher entre área de capoeira e mecanizada. Quando houve área com vários grupos interessados foi instituído o critério de sorteio.

Não se abriu mão de que as famílias excedentes fossem assentadas na mesma área, então cerca de um ano depois saiu a desapropriação de mais dez mil hectares de terra também na Fazenda Giacomet Marodin, que foi suficiente para assentar as famílias excedentes da época anterior, por isso no Município de Rio Bonito do Iguaçu existem dois assentamento que estão ligados, com mil e quinhentas famílias, que é o Assentamento Ireno Alves dos Santos com 934 famílias e o Assentamento Marcos Freire com 574 famílias, que têm dois momentos de desapropriação das áreas da Fazenda Giacomet Marodin, que passou a chamar-se Araupel.



ENTREVISTA COM VERONICA DE MEDEIROS

Estado civil: Casada, Data de nascimento: 23-02-69, reside na Comunidade Irmã Dulce Assentamento Ireno Alves dos Santos.

Fui fazer para do Acampamento do Movimento Sem Terra para ter um pedacinho de terra, criar os filhos e viver até o fim da vida ali, pois não me falta nada tenho sempre o que comer.

Eu acho que era uma coisa bem organizada, tinha as regras a cumprir, leis a obedecer, pelo menos nosso grupo era bem organizado, as mulheres eram bem caprichosas e limpinhas, mas tinham aqueles grupos também que aconteciam as brigas e desunião. No nosso grupo tinha horta comunitária, os alimentos cultivados eram compartilhados.

Tinha falta de alimentos, meu marido saia para trabalhar e quase sempre conseguia trazer alimentos, a maioria das famílias que não conseguiam acabavam desistindo. Vinha ajuda mas não era suficiente, eu mesma doava o que não ocupava no mês, o que ajudava a vencer as dificuldades de outras famílias.

O fato que mais me marcou, foi um dia que um homem estava trabalhando de guarda do grupo e passou um bichinho e ele atirou, todo mundo se revoltou pelo susto tomado pelas pessoas por acharem ser uma invasão aos barracos feitos por pistoleiros. Fiquei com muito medo de morrer ou matarem algum filho meu, tive até vontade de desistir.

Consegui ter as coisas que queria, como minhas vacas de leite, minhas coisas de dentro de casa, que tinha apenas o fogão e o colchão para dormir e muitas outras conquistas ainda consegui.

O meu sonho é ter a minha casa feita de madeira, já tenho mas é de material e pequena, mesmo já sendo difícil conseguir madeira por aqui espero ainda poder realizar meu sonho.

Foi grande o sofrimento de nossa chegada, estava grávida e tinha medo pois tinha onça, tigre, sofria também para fazer o pré-natal, mas não desistia era bem certinha nisso. Um fato que aconteceu que hoje lembro e acabo até rindo, foi quando meu marido quis que eu fosse dormir no barraco de minha irmã por achar ser mais seguro, acabei tendo que dormir no chão sendo que nosso barraco era alto e se tivesse aparecido algum bicho poderia ter chegado até à porta. Também o sofrimento que tivemos na chegada em nossa tão conquistada terra, derrubamos taquaras, abrimos caminho, foi difícil, mas vejo hoje que tudo compensou e valeu a pena a luta e a persistência. Não me arrependo de nada.



ENTREVISTA COM DANILO FERREIRA DE ALMEIDA

Data de nascimento: 15-05-70, Estado civil: Casado, Endereço: Primeira Conquista - Sede.

PRIMEIRA ENTREVISTA

Em primeiro lugar o que me levou a fazer parte do acampamento foi a questão do desemprego, a falta de oportunidade para a juventude, famílias de baixa renda e pequeno agricultor. Isso foi o que levou grande parte das famílias ao acampamento, ninguém vai morar embaixo de uma lona preta porque gosta, vai porque tem planos e expectativas para o futuro, buscando estrutura para a família. Eu fui incentivado por companheiros, a principio não tinha interesse de vir, mas depois acabei indo e gostei, foi onde acabei me aprofundando, fazendo alguns estudos entendendo assim sobre a reforma agrária. Sendo que acabei virando uma das principais lideranças dentro do Assentamento, nunca pensei em ser, mas acho que meu perfil me levou a chegar a essa liderança.

Nos trabalhos realizados através de Sindicato e algumas Igrejas nas cidades, antes das pessoas vir ao acampamento, já ficava esclarecido que teria um regimento interno, um controle muito grande das famílias. E na chegada foi dividido em grupos, no total eram mais ou menos 3000 famílias, que foram divididos em grupos de 30 famílias cada, cada grupo tendo seu coordenador geral, o qual fazia reuniões com os coordenadores de outros grupos onde eram discutidos todos os problemas como: Alimentação, saneamento, educação, negociações de terra e das mobilizações onde decidiam passos a serem dados, inclusive nessa coordenação eu não fazia parte, preferia ficar mais depois em outras tarefas, mas não deixava de assessora o que foi me levando de repente a virar o principal do grupo e depois meio que principal do topo, tinha também os coordenadores dentro dos grupos, para resolver cada questão e os problemas o que acabava envolvendo quase todo do grupo em alguma atividade, então das 3.000 famílias envolvia praticamente todos, um dia um do grupo fazia a segurança, outro dia era outro o que colocava responsabilidade a todos e o meu grupo era o responsável que organizava todos os outros, até um dia que nós estávamos na segurança um companheiro passou com uma sacola de compra e dentro tinha um litro de pinga e era expressamente proibida bebida de álcool, até pensamos em deixar passar, mas aí o senhor que carregava a bebida saiu debochando, achando que não teríamos visto, então o chamamos de volta e tiramos o litro dele. Na época o líder de todos que comandava as decisões de todos os grupos era o falecido Ireno Alves, tinha também um apoio muito grande do Padre Afonso, que nos passava muita esperança através de textos bíblicos, falando das lutas dos povos de Moisés, Abraão, passando a nós grande fé.

A maior dificuldade era a falta de alimentação, eram feitas arrecadações através de Igrejas, de famílias já assentadas em outras regiões e conseguiam-se, arroz, feijão, batata, mandioca, algumas vezes conseguíamos também cestas básicas do governo, mesmo assim as vezes faltava e os grupos se ajudavam, outra questão que não era fácil era a da saúde, o prefeito tinha um certo grau de razão de não conseguir dar conta, pois da noite para o dia dobrou a população, acho que o prefeito que na época era o Sezar se ele tivesse um entendimento maior, devia ter chamado autoridades maiores e colocado o problema, que acabavam tendo que ser resolvido com remédio alternativo, natural, chá de cidreira, marcela e jaguarandi, muitas pessoas sofriam, crianças morreram por falta de atendimento, até por terem vindo já desnutridas e doentes para o acampamento e não acharem recursos, foi o fato que levou todos os meses vir a falecer uma ou duas crianças, só nos primeiros dias faleceram dezesseis crianças, aí através da Pastoral da criança que forneciam sopas com nutrientes necessários para se recuperar, foram feitos tratamentos o que aos poucos foi controlando e recuperando a saúde dessas crianças que enfrentaram também o frio que foi um fato que dificultou muito. Uma questão também enfrentada foi rejeição pela sociedade, tivemos essa briga com o Prefeito Sezar na época e não conseguimos superar, situação que na época foi muito difícil.

Foram vários os fatos marcantes, mas além da ocupação, que é um dos principal fato, teve mais um que me chamou atenção que foi a morte do companheiro Ireno Alves, porque ele era o principal coordenador nosso, ele faleceu em um acidente de carro no dia 25 de dezembro, estava indo visitar o pai e aconteceu o acidente, ele era a pessoa que unia os grupos, porque existia muito atrito entre os componentes do grupo e ele chegava com muita conversa sempre resolvia tudo, aí quando ele faleceu, cheguei a pensar se nós iríamos dar conta, dobrou minhas responsabilidades, como fazer com que as pessoas cumprissem os regulamentos, sendo que se não cumprissem eram expulsas e mandadas embora e acabou sendo minha responsabilidade, o que não era fácil.

A primeira conquista foi à terra que conseguimos, que era nosso grande objetivo. Muita gente pensava na organização, na luta e na questão geral das coisas, mas quando você vai se envolvendo vê que além da terra, você vai ter o crédito, que acho que foi um ponto que somou para todos. Teve também as conquistas das escolas e da produção de milho, arroz, feijão, leite, carne e pode assim estar comercializando, que no contexto geral é o resultado das conquista e da luta que a gente fez, mas que ainda precisamos melhorar em várias questões.

Sim tem várias coisas que ainda desejamos conquistar, como ter todas as estradas cascalhadas, energia para os que ainda não tem, acesso de crédito a todos, regularizar a documentação dos lotes de todos que trocaram ou mudaram de lugar, e também uma outra luta que estamos enfrentando a algum tempo o desafio da universidade popular, que é trazer paro o assentamento, mas especifico na Vila Velha, que é um local centralizado, já estamos negociando com o governo federal através da universidade do Sem Terra de São Paulo, para lá montarmos os cursos de direito, agronomia, engenharia e tudo mais.

SEGUNDA ENTREVISTA

As reuniões para organização da ida para o acampamento eram feitas na comunidade do município de Mangueirinha, onde eu morava. As reuniões eram liderada pelo sindicato que tinha o apoio da coordenação de representantes do Movimento Sem Terra do município de Cantagalo e Laranjeira do Sul.

Eram feitos cadastro das pessoas que não tinham terra no sindicato, também na Paróquia quando o Padre e as Irmãs eram parceiros, mas não era muita gente que preenchia eu, por exemplo, vim para o acampamento sem preencher, fazendo o cadastro na chegada, pois não tinha intenção de ficar, vim só para trazer o povo e fui ficando, e assim resolvi ficar.

Meu Pai é assentado do ano de 1.986, com isso já conhecia um pouco da luta, pois este foi o primeiro assentamento do Paraná, sendo a ocupação no ano de 1.984, na fazenda Estilo no município de Mangueirinha, algum tempo depois Honório Serpa tornou-se município dividindo o assentamento, então foi feito assim, as Freiras que eram parceiras da reforma agrária faziam discuções, através de pastorais e sindicatos, que vinham os companheiros do movimento participar.

De cada comunidade era elegido uma pessoa que se tornava nosso representante nas reuniões que eram feita com todos do municipio e até da região, onde era decidido o que ia ser feito, quais os direitos que nós tinha, os problemas que teríamos e o companheiro começava entender e passava aos demais, ficando claro que só ganharia terra quem realmente lutasse, começando aos poucos a ida para a BR, os primeiros davam força para outros falando que iria dar certo e assim motivando a luta e aumentando cada vez mais o acampamento.

Eram feitas reunião cedo à tarde, cada dois dias, para que todos tivessem sempre informados sobre o que era a reforma agrária de como que tinha que fazer como organizar os outros, e os que chegaram antes já ganhavam a tarefa de voltar e contar aos outros que tivessem vontade de participar de como que funcionava, fazendo com que aumentasse o interesse e viessem a participar, critério esse feito em todos os municípios que vinham participar do Movimento. As famílias que então decidiam ir a luta ao chegar no acampamento faziam o cadastro independente se tinham direito ou não, depois o INCRA fazia uma seleção.

Na BR ficamos acampados cerca de 30 dias mais ou menos, chegando no local dia 26 de março, tempo esse que foi para organizar as famílias, separar em grupos, organizar a segurança, decidir que dia íamos entrar na fazenda fiz até uma música onde fala desse acontecimento.

No dia 17 de abril mudamos o acampamento para o buraco, ficando pouco tempo, mudando então para o portão, por ser lá um lugar mais alto e época de inverno tornava melhor, porque no buraco ficava muito baixo aglomerando fumaça e dia de chuva formava muito barro, também para mexer um pouco com as pessoas, que em um grupo de 3.000 famílias começa o debate que não vai dar certo, existia aqueles que queriam desistir, aí chega outro e diz que não vai ter jeito e tem que ficar, acontecendo assim uma guerra de idéias, um fala uma coisa outro discorda, o que acaba sendo feito reuniões todos os dias, para estar informando o povo de como vai as coisas, porque se qualquer um saia falando qualquer coisa aquilo virava um barril de discussões, aí tinha que reunir todos e falar é assim e assim, a coordenação e o movimento está discutindo e vai ser encaminhado, tendo que mudar muitos de barraco, para ficar um pouco distante e ficar mais calmo, na verdade é uma mística, uma dinâmica que era feito.

Alguns que foram para o portão de lá já foram para as terras e outros que eram mais tranqüilos e que ficaram por último no buraco, de lá foram para a sede, que tinhas mais espaço, mais árvores.

Foi ocupado 17 de abril e dia 16 de janeiro de 1.997, foi assassinado o Vanderlei das Neves e o José Alves dos Santos, aí no dia 17 o governo já aproprioua área, na época o governo Fernando Henrique, tinha uma política através do INCRA que era o seguinte, deu uma ocupação, já encaminhava toda documentação, se caso der conflito no outro dia o governo já assina.

Quando ocupamos em 17 de abril era uma discussão do movimento a nível de Brasil inteiro fazer mobilizações, aí então no mesmo dia que ocupamos aqui no Pará os companheiros também estavam se manifestando, fazendo uma caminhada para Marabá e o exercito matou 19 pessoas do Movimento Sem Terra, no El Dorados dos Carajás e aquilo repercutiu a nível mundial, aquilo arrebentou com o governo de Fernando Henrique e do estado do Pará, como que se tem um grupo de família lutando por a reforma agrária que o mundo inteiro defende, que seja distribuída as terras e os caras matam na estrada assim 19 pessoas, então aquilo para o governo foi um negócio muito complicado, com isso o movimento ganhou espaço em todos os jornais, o assunto sendo muito discutido em órgãos públicos, igrejas, enfim tinha os que eram contra e os que eram a favor, era o assunto do tempo, sendo a política do governo que se desce atrito era assinado a pose das terras no outro dia.

Com o acontecido dos pistoleiros matarem os companheiros, ao chegar as informações ao Presidente, já aconteceu a desapropriação. Como nós já tinha uma lavoura plantada foi feita a colheita e a partir de maio foi cada um para seus lotes.

Ao chegar no acampamento todo mundo tinha esperança de conseguir um pedaço de terra, esperança essa que na época de campanha Fernando Henrique e Lula debatiam muito na campanha, que quem ganhasse iría fazer a reforma agrária, dentro da lei que o Brasil já teria passado da hora de fazer.

Foi muitas famílias, eram no total 3.048 famílias que era dividido em 93 grupos de 30 famílias, teve um tempo que algumas famílias desistiram, pois vinham com muita esperança que logo sairia a terra e chegando ali viam que não era bem assim e acabavam desistindo, porque a espera era grande, até o governo fazer todo processo burocrático, e depois desapropria, o que levava muita gente a desistir, em um certo tempo estávamos em 2.790 famílias, depois chegou a ter outros números só que foram 3.048 cadastro no total, funcionando a seguinte critério, se desistisse 20 famílias, ficava o cadastro no arquivo e quando vinha mais famílias era substituído por esses que estavam no arquivo.

Cada um tinha sua tarefa, por exemplo eu era do grupo 13 e lá o coordenador da segurança e o vice, o da saúde e o vice, o da infra-estrutura e o vice que cuidavam da ordem dos barracos, dos banheiros, da alimentação e seu vice o que acabava envolvendo todo mundo e tinha reunião sempre, onde eram tomadas as decisões no coletivo.

Tinha também os trabalhos desenvolvidos com as crianças, jovens e mulheres eu por exemplo tinha trabalho com as crianças que vinha bastante brinquedo, tinha também aula de música, sendo as crianças também organizadas em grupo onde brincavam estudavam, mantendo elas sempre ocupadas. Tinha com os jovens, mas a minha tarefa principal era com as crianças de até 10 anos mais ou menos depois os jovens se encaixavam na questão da religião, na formação religiosa dessas crianças.

Eu me sentia um pouco de cada religião, quando alguém me perguntava de que religião eu era, eu não conseguia depois do trabalho que fiz distinguir, pois me sentia parte da Igreja Assembléia, Congregação Cristã, Católica, porque acompanhava todos os cultos que eram feitos, tinha também a ajuda do Padre Afonso e a Irmã Lia, junto com o Pastor Valter da Igreja Luterana lá de Pato Branco e todos os outros pastores de outras igrejas, fazendo os trabalhos ecumênicos, tipo assim temos um grupo de família Sem Terra de questões financeiras não boa, muito desfavorável, não tinha como ficar dividindo, ao invés de pegar um folheto de uma das igrejas, pegava um texto da bíblia que falava da terra, da vida, buscando oração que falava a respeito disso, o Padre fazendo uma parte, o pastor outra e assim por diante, já aproveitando para envolver os jovens nisso. Dos mais velhos, ou seja os idosos não estou lembrado, acredito que não tinha muita gente de idade.

A violência na época era praticamente zero quanto nos dias de hoje, não era totalmente zero porque tinha um problema de um cara, que bateram nele dormindo, quando os companheiros da segurança acharam levaram para o hospital, só não lembro o que deu com esse rapaz, mas senão era tranqüilo, tinha um controle absoluto, nunca foi preciso de delegado, os problemas eram superados, quando um não gostava da atitude do outro deixava de lado e pensava somente nos objetivos lá na frente que era os objetivos da terra, que era maior que qualquer desaforo e tudo passa, por exemplo nós do grupo 13, no dia primeiro do mês, ia fazer a segurança não tendo um que ficasse fora, ficavam todos espalhados no acampamento, fazendo a segurança observando o comportamento de todos a maioria das vezes eram dois grupos que faziam a segurança, um ficava dentro e um por fora do acampamento e quando via alguém lá fora já chegava e perguntava o que estava fazendo, e sem o cadastro não entrava de volta tinha que apresentar o cadastro para entrar ou ter alguma referência, alguém conhecido que confirmasse que realmente era membro do acampamento, senão não entrava tendo que ficar até o outro dia para fora sem poder entrar. Também tinha a lei que depois das 10:00 horas da noite não podia estar andando fora do barraco, caso contrário a segurança já questionava o porque que estava caminhando aí, pois não podia e acompanhava até o barraco novamente.

Eram feitas hortas comunitárias. Traziam recursos de fora, nós por exemplo nosso pai ajudava, gastamos também economias que tinha de antes, gastamos tudo ali, também tinha ajuda dos sindicatos, igrejas, assentamentos, tinha muita arrecadação, chegava as vezes dois ou três caminhões, lembro um dia que chegou caminhões cheios de laranja e vergamota, foi muita alegria porque fazia tempo que ninguém comia fruta, até quem tinha uns trocos comprava, mais a maior parte não tinha, foi derramado no chão duas caçambas e aí todo mundo pegando lá, foi o prefeito que na época mandou. Tinha os caminhão que vinham com feijão, arroz, milho, também o governo mandava cesta básica que não eram muito, mandava de vez enquanto, mas não era muito.

A escolha das famílias que ganharam terra já na primeira liberação, foram as famílias que estavam mais atuante na luta, sendo mais dedicadas, mais comportadas. Através do regimento interno e discussão do acampamento, e a idéia era que quem se dedicasse o tempo inteiro, por exemplo se precisasse de um companheiro para ir a Brasília, falava: Deixa eu só pegar a sacola, eu acho que sempre fui um dos mais voluntários eu e o Daniel meu irmão, ajudando sempre que preciso desde na construção da escola de lona, como em uma manifestação que era feita na BR, aí tinha aqueles que já diziam há eu não vou lá, e tinha os outros no mesmo momento estavam prontos para ir a luta. Sendo assim que a coordenação escolheu quando saiu a liberação da terra as famílias mais dedicadas, fez uma lista e enviou ao INCRA, que avaliou a lista e quem não ganhou, ficou para a segunda chamada. Teve aqueles também que não ganharam por terem problemas, ou já terem sidos assentados e venderem a terra, indo para o assentamento de novo, não ganharão, que foi o caso de um Senhor de idade que com a sua Senhora tentaram ganhar terra pela Segunda vez participando de nosso acampamento e não conseguiram.

Sendo que foi assentado no primeiro momento 900 famílias e o restante desceu para o Marcos Freire, fazendo ocupação da área que deu origem ao Assentamento Marcos Freire. Eu e o Zé Pereira fomos uns dos caras que mais trabalhamos nos grupos fazendo reuniões, lembro que falávamos: Olha gente é 30 famílias de cada grupo, nós temos duas mil e pouca, só vai caber 900, aí falava: Vamos fazer a seleção e quem ficar fora sabe que ficou porque não cabe. Aí as coisas foram feitas tão bem discutida que quem ocupou o Assentamento Marcos Freire, foi os 900 primeiros que ganharam terra foram lá e ergueram os barracos, porque muitos foram embora desistiram, e esses primeiros foram para lá e seguraram as pontas, até que se desalinhou mais, porque os outros não queriam ir para lá, alguns depois de 15 dias de ter ido embora, pensaram melhor e voltaram.

A terra foi dividida por grupo, por exemplo o INCRA começou lá de baixo, do Santiago, que grupo que vai para lá, depois têm as Águas Minerais, qual o grupo que vai, aí um cara do grupo 19 vamos para lá e quando tinha dois grupos que queriam o mesmo lugar era feito sorteio, o que não teve intriga de ninguém foi tudo dez.

Gostaria de contar um acontecimento foi no dia que viemos da BR, estava vindo um carreteiro, acho que era umas 4:00 horas da manhã, estavam todos os barracos desmanchados e os caminhões puxando, caminhão dos Moreira que estavam lá ajudando, caminhões também das cooperativas, de amigos e de quem acreditava na luta estava ali, uns dando caminhão e óleo, outros diziam, me dê o óleo que faço a mudança para o grupo tal, o grupo que tinha um amigo lá do município de origem que dizia: Hó se der o óleo ele vem, então era dado o óleo e ele vinha. Fechamos a BR então com colchão, chapa, fogão, bujão e vinha esse caminhoneiro, perguntamos então para onde ele ia, respondendo ele que iria para Laranjeiras, pedimos então uma carona.

ENTREVISTA COM DALÍRIA DOS SANTOS MELLO

Entrevista realizada no dia 09 de julho de 2007, com uma senhora que esteve acampada, viveu todo o processo de ocupação e atualmente está assentada na Comunidade de Alta Floresta, no Assentamento Ireno Alves dos Santos.

Na época eu morava em Cantagalo com meus pais que eram assentados. Houve uma reunião com o pessoal que era pra virem acampar na BR 158, aí tomamos a decisão de vir acampar, eu e mais três irmãos. A gente então veio na BR, através do Movimento MST. As pessoas vieram de várias cidades: Foz do Iguaçu, São João, Saudades, Sulina, Pato Branco, Beltrão, do Estado do Paraná inteiro praticamente e do Paraguai vieram bastante brasiguaios. No primeiro momento nos reunimos na BR, em torno de aproximadamente umas três mil famílias, a gente se juntou e viemos pro Buraco, lá embaixo, perto da ponte do Rio Xagu. Ali ficamos por mais uns dias foi chegando mais gente.

Todas as pessoas que chegavam eram aceitas desde que concordasse com o termo de compromisso que tinha para cumprir cada família dentro do acampamento, da ocupação e desde que não saísse fora das regras, se não cumprisse eram tirados. A mudança de lugar dos acampamentos ocorreu passo a passo. Primeiro se reunimos para organizar, formar massa, formar força na BR e segundo passo tomar primeiro o portão que era ali embaixo perto do rio que já era a fazenda. Em seguida o outro passo ocupar o portão ali em cima onde hoje é a entrada para o Assentamento Ireno Alves dos Santos, era cheio de guardas na época e o outro passo foi ir lá pra Sede que daí já estávamos com mais segurança. Na BR ficamos por uns 30 dias e no Buraco em torno de uns seis meses. Daí na Sede nós ficamos em torno de um ano até se organizar. No primeiro momento que nós chegamos na BR nós não sabia pra onde ia ir.

Nós tinha que ia conseguir uma área de terra e conquistar mais terra, mas até aquele momento nós não sabia pra onde que nós ia. Quando chegamos na BR era um acampamento pra nós se organizar. Sentia muito medo, muito sofrimento na noite em que nós entramos no Buraco. Nós saímos a meia noite do acampamento da BR foram uns a pé, alguns foram de carro, com as crianças, sem saber onde que ia. Só ficamos sabendo quando nós descemos do caminhão ali. Nós sentia muito medo, muito sofrimento, muito frio, de tudo um pouco. Era muita gente. As pessoas eram divididas por grupo, por exemplo, nós que viemos lá do Cantagalo era um grupo. Quando a gente vinha, já não vinha sozinho, tinha uma organização de lá de onde você saiu, já era por grupo, eram numerados os grupos.

As pessoas tinham tarefas dentro dos grupos. Uns eram coordenadores do grupo, outro da alimentação, cada um tinha um compromisso de organização, de infra-estrutura, de higiene, saúde, quase todas as pessoas do grupo tinham o que fazer. No meu ponto de vista passou tão rápido esse tempo, eu sempre tinha o que fazer.

Eu cheguei na BR logo peguei um compromisso como coordenadora de alimentação das crianças. Eu sempre me ocupei tão rápido. A gente via nas pessoas que era um sofrimento, mas um sofrimento com esperança. As crianças, tinha sido organizado uma tarefa de brinquedista. Tinha umas cadeiras dentro de uns barracos, para passar um pouco o tempo. Os velhos contavam causo, conversavam e os homens tinham que fazer segurança. Era trocado o turno três vezes por dia e até quatro, tipo de manhã ao meio dia, do meio dia as seis, das seis até a meia noite e da meia noite até as seis da manha. Os homens tinham compromisso da segurança lá do acampamento. Fizemos um barraco de alimentação e era feito sopa pras crianças. Então as mulheres tinham cargo de trabalho.

As vezes acontecia violência, porque tinha pessoas que bebiam e não estavam bem por dentro das normas que sempre foi proibido álcool. As pessoas que infringiam as regras eram expulsas, porque tinha um estatuto bem claro, quando a gente saiu já do local da gente a gente já saiu sabendo que quem fugia das leis era expulso. Assassinato no acampamento até que a gente chegou na sede não tinha acontecido, agora por doença aconteceu várias mortes. Eu sempre acho que são por problemas que vieram de fora pra cá e daí pelo motivo de estar mal acolhido, mal agasalhado, sofria falta de uma boa alimentação, água e higiene aí ocorria as mortes. Assassinato ocorreu aquelas duas mortes na Sede, do Vanderlei e do José.

Plantamos depois que fomos na sede, ai a gente fez o primeiro plantio coletivo, cada grupo pegou um tanto de terra, a gente já tinha conquistado, só faltava dividir os talhões, aí foi liberado pra cada grupo fazer o plantio. Na época de acampado só fizemos uma horta, mas o espaço era pouco, muita gente, cachorro, não funcionou. Sobrevivíamos de recursos de muitos órgãos que apoiavam, como a defesa civil, que trazia e bancava o leite pras crianças. A pastoral da família de Guarapuava bancava um pouco da alimentação da sopa. Entidades como a prefeitura ajudou também, e era feito muito arrecadação. Cada família tinha oito a dez dias para sair trabalhar fora para conseguir a alimentação. A liberação da terra ocorreu de negociação. Foi feito uma equipe de acampados para negociar, e o Incra e o pessoal do MST.

Foi feito a negociação com o Incra com o dono da fazenda e decidiram liberar. O primeiro passo nem todos ganharam, porque foi negociado um tanto de terra que só cabia 900 famílias. Foi tomado a decisão de fazer sorteio em grupo e ai foi sorteado. Cada grupo foi um pouco sorteado e foi sorteado 900 famílias e as outras ficaram como excedentes, mas com a garantia de conseguir a liberação. Os excedentes foram num local provisório no Assentamento Marcos Freire, que era da firma mas estava em negociação.

Cada grupo ganhou seu talhão, seu pedaço, seu quadro, através de sorteio e houve sorteio no grupo para ver onde cada família ficava com seu lote. Foram feito em torno de 300 talhões. Fomos para o talhão, numeramos todos os lotes e colocamos num copo, numa reunião fizemos o sorteio conforme a lista, valeu a sorte de quem pegou lote melhor. Foi justa a forma. Um fato que me marcou foi a terceira noite que a gente tava na área, tinha muito medo, muita insegurança.

A gente tinha como alerta um foguete, se acontecesse dos guardas chegar. Se o foguete estourasse a gente tinha que dar um jeito com as crianças de se agasalhar. Ai na terceira noite estourou, não foi um foguete, mas a noite, mais de três da manha, a gente tava dormindo, acho que foi um cara da segurança que dormiu e acabou dando um tiro para cima, que acabou assustando todo mundo. Se saia fora do barraco, levava trompada de gente correndo, se ficava dentro, não tinha proteção, ficamos com muito medo. Tivemos muitas conquistas.

Tem bastante coisa que falta, ainda sonho em dar estudo pra todos meus filhos e acomodar todos eles, é isso que espero.

Pode por meu nome na monografia, não tem problema.



























ANEXO 2

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu, ____________________________ abaixo assinado, autorizo a Universidade Federal do Paraná - UFPR, por intermédio da aluna, INES FILOMENA GALERA, devidamente assistida pela sua orientadora NATACHA EUGENIA JANATA, a desenvolver a pesquisa abaixo descrita:

1-Título do Experimento: “RIO BONITO DO IGUAÇU – DO ACAMPAMENTO AOS ASSENTAMENTOS – DE 1996 A 2007.

2-Objetivo: Compreender como se deu o processo de luta pela terra nos Acampamentos do MST em Rio Bonito do Iguaçu.

3-Descrição de procedimentos:

Entrevista semi-estruturada.

4-Desconfortos e riscos esperados: Registro verbal com interpretações. Fui devidamente informado dos riscos acima descritos e de qualquer risco não descrito, não previsível, porém que possa ocorrer em decorrência da pesquisa será de inteira responsabilidade dos pesquisadores.

5-Benefícios esperados: Resgate das situações vividas nas épocas de acampamento.

6-Informações: Os participantes têm a garantia que receberão respostas a qualquer pergunta e esclarecimento de qualquer dúvida quanto aos assuntos relacionados à pesquisa. Também os pesquisadores supracitados assumem o compromisso de proporcionar informações atualizadas obtidas durante a realização do estudo.

7-Retirada do consentimento: O voluntário tem a liberdade de retirar seu consentimento a qualquer momento e deixar de participar do estudo, não acarretando nenhum dano ao voluntário.

8-Aspecto Legal: Elaborado de acordo com as diretrizes e normas regulamentadas de pesquisa envolvendo seres humanos atende à Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde do Ministério de Saúde - Brasília – DF.

9-Confiabilidade: A pessoa voluntária entrevistada prefere (ou não) que seja registrado seu nome na pesquisa e divulgado, não precisando privacidade. Consentindo que com a divulgação resultados obtidos possam ser apresentados em congressos e publicações.

11-Quanto à indenização: Não há danos previsíveis decorrentes da pesquisa, mesmo assim fica prevista indenização, caso se faça necessário.



Rio Bonito do Iguaçu, ___/___/2007



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VOLUNTÁRIO ENTREVISTADO

ASSENTAMENTO: __________________